Silvia
 
Estou obcecada por Silvia. Só penso nela, dia e noite. Tornou-se um problema em minha vida. Um problema que não estou conseguindo resolver.
 
Conheci Silvia através do Julio. Não de um Julio qualquer, mas de um Julio culto e refinado, excelente contador de histórias. O Julio ao qual me refiro é o Cortázar, argentino de origem, apesar de nascido na Bélgica. Cidadão do Universo, durante muitos anos morou na França. Foi lá que conheceu Silvia. Foi lá que ele escreveu a história de Silvia e Fernando, que tenho a ligeira desconfiança ser seu alter ego. Foi ele e não Fernando quem ficou obcecado por Silvia e passou essa obsessão para mim. Tenho (quase) certeza disso, mas não posso confirmar. Julio já morreu e não tenho como contatá-lo.

Fernando foi convidado certa noite para jantar em casa dos amigos Raúl e Nora Mayer. Lá estariam também os amigos de seus amigos e os filhos deles.  E Silvia. E ainda um professor de literatura e sua família. Silvia cuidava das crianças e ninguém a apresentou a Fernando. Mas ele queria muito conhecê-la. E a noite toda ele não conseguiu prestar atenção em nada. Só em Silvia.  Mal sabe como conseguiu responder as perguntas que lhe eram feitas. Veja o que ele diz: “Não pude ver muito de Silvia, o fogo iluminava violentamente um dos lados da barraca e ela estava acocorada ali, ao lado de Renaud, limpando seu rosto com um lenço ou pano; vi suas coxas bronzeadas, umas coxas leves e ao mesmo tempo definidas (...) as panturrilhas ficaram na sombra na sombra assim como o torso e a cara, mas de repente a cabeleira brilhava com as piruetas das chamas, um cabelo também de ouro velho, toda Silvia parecia entonada em fogo, em bronze espesso; a minissaia mostrava as coxas até o mais alto(...).


E assim passou a noite toda, a mente de Fernando bipartida entre os assuntos que deveriam lhe interessar e o seu interesse por Silvia, que ora aparecia ora desaparecia. E por mais que ele perguntasse, Quem é Silvia? ninguém, absolutamente ninguém lhe dava uma resposta direta. Ele tentou todos, adultos e crianças e as respostas lhe soavam incompreensíveis ou evasivas.

Na semana seguinte Fernando convidou as mesmas pessoas para sua casa. Mas o seu interesse por Silvia continuava e era o que determinava todas as suas atitudes. Mas Silvia não seguia padrões. Aparecia só quando queria, sumia quando menos se esperava. Os adultos não levaram a sério sua curiosidade sobre Silvia, pensaram apenas que ele estava entrando no jogo das crianças. Mas para ele não era um jogo. Era a realidade. Ele vivia algo que estava fadado a acabar antes de começar. E a sua frustração era indescritível. E quem toma conhecimento do acontecido como eu tomei sente a angústia do protagonista que passa a viver uma fantasia como se fosse realidade.

Pois eu também estou frustrada. Porque essa é a história que eu queria escrever, a história que eu preciso escrever e não posso simplesmente copiá-la como se fosse minha e transformar os personagens em outros apenas para disfarçar. Eu tenho que encontrar um jeito de tornar minha essa história de uma maneira bem diferente para que ninguém, absolutamente ninguém diga que plagiei Cortázar, nenhum leitor, nenhum estudioso da literatura Cortazeana, ninguém mesmo. Mas eu saberei de onde veio a minha inspiração. E não pensem que vou esclarecer aqui, de jeito nenhum. Quanto menos pessoas souberem dessa história que li no volume 1 de O último round, melhor.