Um milhão de anos
Um milhão de anos em silêncio...e ainda nada por dizer de novo.
Bem que Caetano avisou: "...o sol nas bancas de revista, me enche de alegria e preguiça, quem lê tanta notícia?...", mas naquele tempo Claudia Cardinalli fazia furor, cimena era a maior diversão e eu era criança demais para entender. Ou antes, naquele tempo eu entendia tudo. Foi a maturidade que me fez duvidar e não compreender.
Não compreendo as pessoas.
Ninguém mais quer envelhecer, ninguém mais quer ser monogâmico, ninguém mais quer saber dos clássicos...é tudo novo nesse velho mundo. Talvez seja a nostalgia que me esmurra a porta ou a tão mal falada depressão. Sou meio deprimida, reconheço. Mas, sou uma deprimida autêntica, pelo menos; não me encho de comprimidos receitados para que o "doido" não incomode, afinal quem quer conviver com lágrimas, quando a tv mostra finais felizes em novelas? E depois eu sou tão malcriada que poucos acham que eu sou depressiva...é bem outra a denominação que me dão, haha! Por agora só tomo remédio quando percebo que estou com uma fúria homicida dentro do meu terno coração. Fora isso, nunca. Quem não me aguentar se mude, tô nem ai.
- O T-Rex sorri complascente, ele acha que uma leve depressão é sempre necessária, os "alegrinhos" e os otimistas permamentes e de plantão são sacais. Eu concordo.
Estou convencida (embora essa seja uma teoria particular) que a depressão tem dois tipos básicos, a saber:
tipo 1 - depressão do tipo que tem os que não tem nada para fazer. Ela ataca dondocas, pessoas "classe média alta" que, "assim de reprente", não encontram mais sentido no que tem ou no que fazem (ou não fazem). Deprimem-se por que envelhecem, ou por que não ganham mais dinheiro do que já tem, ou por que não podem fazer isso ou aquilo. Deprimem-se por que a cabeça é tão oca que o vazio todo tinha mesmo que se encher de alguma coisa.
tipo 2 - depressão do tipo que tem os que fazem mil por dia, matam dois ou três leões por horário, batalham muito, nadam muito e morrem na praia. Um dia esse cristão cansa, nem é bem depressão é esgotamento. É conta, imposto, companheiros injustos, infieis ou violentos, é patrão com jeitão de dono de engenho, é gerente nos moldes do feitor, é o puxa-saco que sobe mais por que baba o ovo do chefe, é a necessidade de esconder o que sente por que ninguém quer ouvir e nem entender, é o dinheiro curto para chegar a tudo, é o peste do filho que a pessoa cria pra gente e ele desagua em vagabundo, são as pessoas insistentes, os chatos de plantão, as sogras inconvenientes; é a cabeça que não para de pensar e concluir que a pessoa perdeu aquela batalha e que seguramente não vai ganhar as próximas...enfim...é tudo aquilo que engasga na garganta e a pessoa não pode cuspir por qualquer motivo.
Um dia o cara surta: ou se joga de um prédio, ou mata alguém, ou dá uma surra num infeliz, ou se deprime. Roubar não entra nesta categoria, por que os que roubam o fazem alegremente.
Os que não reagem, por pudor, por vergonha, por decência e até por covardia, se deprimem. Ficam arrasados.
Ai a velha solução é remédio. O governo não quer saber de gastar pra internar maluco - e ainda dizem que é para reintroduzir a pessoa na família...sei! - ai tome doses maciças de remédios, que, muito similares à boa e velha maconha, deixam o cristão naquele estado de espírito entre o leso e o palhaço. Achando cor de rosa o que tá mais pra cinza sujo.
Quem tem tempo a perder com o deprimido? Quem se disporá a ouví-lo com um carinho que não é possível nos consultórios? Quem assumirá a culpa de colocar aquele cristão naquele estado de nervos? Qual mãe assumirá que mimou demais, ou supreprotegeu, ou castrou, ou inutilizou o filho? Qual pai reconhecerá que faltou, que não apoiou, que não compareceu? Que irmão reconhecerá que traiu, humilhou, abandonou? Que marido ou mulher assumirá que não cumpriu, que malbaratou? Que filho admitirá que decepcionou? Que governo dirá que pisou, escarneceu, enganou, pilhou? Que amigo reconhecerá que não compareceu?
Eu peço a Deus, em bom portugues, que quando Ele achar por bem me tirar desse mundo o faça, na hora mesma que Ele determinar, mas que até lá me dê forças para que eu continue malcriada e braba, respondona e agressiva, com arte bastante para esconder minhas lágrimas de dor sob a dura carapaça da raiva, da ironia e do cinismo.