PARA VIVER UM GRANDE AMOR

Por Carlos Sena


                                                                                    
UM GRANDE AMOR não precisa ser maior nem menor. Tem que ser amor. Sendo amor, também não precisa ser triste nem trágico, como geralmente acontece nos contos de fadas dos cinemas e das novelas. Ele consegue a proeza de ser alegre e triste ao mesmo tempo e, como se não bastasse, sabe onde se encontra o meio termo.
Um GRANDE AMOR pode nos fazer chorar, senão não seria. Mas deve prioritariamente nos fazer sorrir. Porque o sorriso é o princípio da felicidade e esta não encontra acasalamento senão no suave gesto de um sorriso franco.
Um GRANDE AMOR até parece ser ingênuo, bobo. Desde que seja bobo o ato de entrega. Não se deve complicar o que não tem complicação. Basta apenas entender o que é de cada processo de amar, para não se perder nas vielas burocráticas. Sim, porque um dos grandes sintomas da falta de sintonia para amar é a dificuldade que, consciente ou inconscientemente, colocamos na relação. Isto porque um GRANDE AMOR não requer intelectualidade; tampouco fortunas em redor e até posição social elevada.
Um GRANDE AMOR se estabelece pela competência de ser o que se sente, não o que se apresenta como dote, totem ou como troféu.
Pode ser que
Um GRANDE AMOR também se cerque de dinheiro, posição social elevada e tudo mais. Mas tem que ser na coincidência própria do amor que, quando tem que acontecer tudo conspira a seu favor.
A construção do amor passa pela construção do afeto. Nenhuns dos dois serão órfãos nessa coligação, posto que amor sem afeto dificilmente será Um GRANDE AMOR. No máximo, talvez um amor corrente, recorrente do popularesco que a gente encontra em qualquer passeio por uma quermesse do nosso bairro.
Para se buscar
Um GRANDE AMOR da nossa vida, dizer “não” é salutar. Não aos outros, às fofocas, às intempéries sociais do ciúme, da cavilação. Não ao preconceito de idade maior, cor, credo, etc.; não a ilusão exacerbada que tira o bom senso, não ao sim e o contrário se preciso for. Ah, Um GRANDE AMOR nos causa sudorese em dia de festa; dá-nos frenesi, nos faz ver o horizonte aberto para a felicidade; leva-nos a fazer domingo numa segunda-feira. Mas ele, esse GRANDE AMOR, deve ter a sabedoria dos mais antigos e a sagacidade dos mais jovens. Pelo principio da sabedoria, invade e fim, senão não seria Grande. Pelo princípio sagaz, aposta no hoje até que possa haver um amanhã na construção lógica que dá prazer, orgasmo e plenitude. O prazer como fonte de vida e combustível para elaborarmos nossas "ilusões"; orgasmo pela pulsão, porque precisamos ser prático e deixar de querer sexo com os anjos; a plenitude, porque sem ela não existe Um GRANDE AMOR. Se ele não for pleno, talvez se perca no processo relativo de “amorização”. Isto pode reduzir a seiva da sabedoria que conduz ao amor nirvana.
Na verdade Um GRANDE AMOR talvez seja aquele que se guarda no âmago em forma de segredo. Porque sendo grande tem que ser de dois e, sendo majestoso como deve ser não pode migrar dos limites dos interessados. Um GRANDE AMOR se expressa pela firmeza de atitudes em função do momento de entrega. Entrega pelo gesto, pela vida simples, pelo companheirismo, pela lealdade e fidelidade, pela falta, inclusive, de bens materiais. Não creio num grande amor construído pela dominação do mais apaixonado. Pelas ordens tipo "mando e obedeces"...
Um GRANDE AMOR tem que fugir do formalmente instituído pela sociedade! Quanto menos seja “dos outros” maiores será o dos amantes reais.
Talvez Um GRANDE AMOR tenha tudo de singular e de plural: singular porque só o amor nos torna mais perto de Deus. Plural, porque nenhuma forma será subtraída por outra, pois todas elas terão destino único, a bem dos entes amados.
Um pequeno amor! O que seria, pois, essa escala de medir sentimento? Quem está de fora, geralmente mede, dá veredicto, passa remédio, “casa e batiza”. Podemos inferir, então, que Um GRANDE AMOR não chegaria a isto, senão seria um amor pequeno, normal, regado a ciúmes, controle de freqüência, etc.
Sinto que as melhores poesias são aquelas que nunca conseguiram ser escritas. Porque aos poetas nem sempre é dado o princípio da sabedoria extremada em que tempo concreto e real se apresentem como divisor de água. Sinto, pois, que os GRANDES AMORES devam estar acontecendo neste momento. Sendo únicos e eternos, podem está morando em residências de luxo, favelas, etc. Podem estar em cada pessoa simples que passa por nós e nem sempre temos condições de avaliar seu nível de felicidade. Se “SER” feliz é a lei, como imaginar alguém buscando isto nos entornos imediatistas do capitalismo?
Um GRANDE AMOR não sucumbe aos obstáculos, nem se basta em si em função de desilusões. Porque um GRANDE AMOR subentende GRANDES AMANTES.

ERNESTO CARDENAL*, em sua leveza poética, nos brinda com “POEMA”, traduzido por diversos escritores, para a língua portuguesa:

“Ao perder-te eu a ti
Tu e eu teremos perdido.
Eu, porque tu eras
O que mais amava;
Tu, porque era eu
Que te amava mais.
Mas de nós dois
Tu perdes mais do que eu,
Porque eu poderei amar a outras
Como amava a ti,
Mas a ti não te amarão mais
Do que te amava eu.


*Ernesto Cardenal Martínez nasceu em 20 de janeiro de 1925 em Granada na Nicarágua. Poeta e sacerdote nicaraguense, dissidente sandinista e considerado um dos mais importantes poetas vivos da América Latina.

Carlos Sena - csena51@hotmail.com