sorvete, Sorvete, servente
Ainda lembro aquele quadro negro que na verdade era de um verde rachado, às vezes o giz que a professora ia riscando ali parava em certa rachadura e “crec” quebrava, então ela jogava o toquinho que restava na direção daquele engraçadinho que mais rira.
Só hoje vamos com essa “Tempos-bons-que-não-voltam-mais” por que nesse tempo ai não achávamos nada bom.
Até aquele cheiro de mirabel, de saco de pipoca doce, eca, que enjoado, aquele Crush abrindo pelo abridor do cantineiro que ao mesmo tempo era servente, o barulhinho “slup”, algo assim, e atrás de nós uma escada que dava para o segundo andar, onde estudava os ginasianos. Nós, os pequenos do fundamental olhávamos para eles com respeito e certa reverencia que nos calava quando subiam eles os degraus do segundo andar, que apenas podíamos olhar pelo pátio, vendo pelas janelas abertas uma ou outra cabeça.
Lia muito, eu, O Ateneu, e ficava imaginando que assim era como o meu aquele colégio do Sergio, do Bento Alves, do asqueroso Sanches, e nossa diretora Georgina era como o Aristarco. E não havia nem uma D. Ema para nos acalentar nas horas difíceis de castigo.
Mas um episodio engraçado da minha vida nesses tempos “perfeitos” de escola, é do que me recordei quando relia a biografia de Franz Kafka. O escritor tcheco ficara distraído a contemplar um pardal na janela da sua sala de aula enquanto o professor o sabatinava, já comigo deu-se bem diferente: Sobre o texto do livro didático, algo sobre a educação e comportamento do aluno dentro da escola, havia uma pergunta, que eu aos meus ingênuos sete anos, li sem muita observação no quadro negro verde rachado como se perguntasse o que fazer para ajudar o Sorvete na escola? Oras, sorvete, Sorvete qual afinal? Parecia-me: sorvete, no sorvete que eu pensava em comer, um sorvete feito de casquinha e maria mole, não aquele sorvete geladinho tradicional.
E precisava-se ajudar um sorvete, só se esse fosse um Sorvete. Ou o Sorvete.
“Não comer ele” foi minha resposta no meu caderninho todo cheio de orelhas e riscado nas bordas.
_ R... Agora você o que devemos fazer para ajudar o servente na escola.
Nem prestei atenção a pergunta da “tia”, só entendia o sorvete e o Sorvete, e apenas queria ler minha resposta o mais rápido possível, disse quase sem gaguejar:
_ Não comer ele, Fessora – e demorei entender porque as gargalhadas explodiram atrás de mim, e até mesmo a professora não deixou de rir, e então caiu a ficha, contudo enrubesci na saída ao topar com o Servente-porteiro-cantineiro, embora talvez todo mundo, aliviados do término da aula, bem já havia esquecido o “incidente”.
Rodney Aragão.