O velho golpe do governador ao telefone.
O velho golpe do governador ao telefone.
C. era um servidor público das antigas, e conhecia todas as manhas do setor público. Talvez por isso, depois de um longo tempo de dedicaçãoe espera, não tenham tido outra alternativa a não ser lhe nomear para ocupar um cargo de chefia no Departamento de Obras num desses momentos de crise, lugar de onde nenhum político nomeado para a direção se atreve a tirá-lo.
Tendo o conhecimento que tinha de obras públicas e de administração pública fazer as coisas, firmou-se logo como um perito em administrar urgências por execução de obras, viabilização de recursos e, os conflitos decorrentes relativos à execução de obras públicas.
No caso de conflitos, por exemplo, sua técnica era tão simples quanto eficaz: deixava que o seu oponente falasse e esbravejasse até espuma a boca. Depois, endereçava algumas palavras contemporizando com o sujeito, trazendo-o para um campo neutro e, só então, dizia tratava da situação concreta, as possíveis formas de resolução ou o porque da impossiblidade de resolução do problema.
Muita gente gostava de ficar por perto para vê-lo em ação - ou inação positiva...
Certo dia, chegou ao seu gabinete um daqueles tipos grosseiros e agressivos, que havia sido recentemente eleito numa cidade próxima da capital, numa coalizão de oposição ao governador do Estado.
O sujeito invadiu a sala sem solicitar autorização, com o telefone celular ao ouvido e falando nas alturas, enquanto se dirigia para uma das cadeiras em frente à mesa do diretor, onde baixou seu corpanzil e continuou ao telefone, falando e gesticulando, sem dirigir ao velho funcionário nem um gesto de cumprimento.
O outro, porém, velhaco como ele só, voltou suas vistas para um documento, que fingia ler, enquanto acompanhava de soslaio a pantomima do outro, que repetia:
- Está certo, governador, vou almoçar com o senhor, hoje. Sim senhor!, já trouxe o pedido de construção da ponte para o Departamento de Obras. Sim, sim senhor... Mas, olha, governador, achei que o pessoal aqui não deu muita atenção. Não, não! ...É? O senhor vai ligar para o diretor de obras, né? Pois é, eu disse a ele, que esse assunto era de especial interesse para...
E então, o telefone que o prefeitão estava atendendo, tocou estridentemente, acendendo luzes, tocando uma musiquinha mecânica cuja altura superava sua voz, e vibrando fortemente...
O prefeito ficou desconcentado, apertando uma tecla atrás da outra da traquitana que parecia uma batata quente em suas mãos, tentando silenciá-l, disparando alguns palavrões pelo canto da boca, depois de alegar defeito do aparelho, com o rosto já afogueado de vergolha, por ter sido pego numa situação tão patética, que lhe descredenciava para insistir no pedido, cuja cópia trazia debaixo do braço.
Enquanto isso, o velho servidor saboreava a situação constrangedora do outro, imóvel e olhando por cima óculos, sabendo que estava no controle da situação, pronto para avisar ao adversário do governador com toda a fineza e salamaleques, que a obra solicitada fora vetada, por "ausência de cobertura orçamentária".
Como dizem os nordestinos: "sabedoria lê!'. Ou como dizem os caricas, "malandro demais, vira bicho".