O assassinato do pai de Geraldão
Geraldão não se conforma, nada poderá lhe trazer o mesmo riso de volta, suas excentricidades parecem esquecidas, os sonhos de casamento se perderam, e só a tristeza consegue habitar naquele peito desajeitado, sua mãe se banha nua com as portas abertas e nada daquele olho traquina buscar sua libido voraz, para saciar-se a sua maneira.
Sonia Braga, a boneca inflável há muito trocada pela rival Sharon Stone, observa o vazio e parece perdoar a traição do ex-amante. Pode ser que Geraldão morra também por sentir que sua descaracterização virá de fato. Dona Marta se fechou para o mundo das conquistas e não quer ser a mais gostosa de todas, seu chefe sente falta dos assédios e o sub-gerente perdeu o narcisismo, os boys se mordem de tesão mas ela está de cabeça baixa, pois também é filha do pai de Geraldão.
Da mesma maneira estão o casal Neuras e Doy George e Zé do Apocalipse, todos órfãos após a brutalidade da última sexta-feira. Este pai de tantas espécies raras e extrovertidas atendia pela graça de Glauco Villas Boas, nascido em 1957 nos confins de Jandaia do Sul, no Paraná, da mesma família do sertanista adorado pelos índios do Xingu Orlando Villas Boas.
Cartunista de idéias rápidas e traços limpo, Glauco compunha a santíssima trindade das tiras com Angeli e Laerte. Do seu trabalho tirou o protesto mais moleque que incomodou a ditadura nos anos de chumbo no Brasil, dizia amar a vida na sua forma mais intensa. Segundo a esposa Beatriz Galvão, sua morte se torna mais dolorosa quando relembra que ele imaginava a vida cor-de-rosa, com a ciência de que a paz era parte vital de todo ser, que às vezes nossas atitudes impensadas levavam a uma cisão com esta parte do nosso corpo, nos levando às mais perversas patologias.
Por incrível que pareça, ele foi morto por alguém que insistia que ele o achasse todo poderoso, como se o cartunista tivesse o dom de transformar em realidade aquilo que a boca profere. A viúva relata ainda que disse ao assassino que ele era Jesus Cristo, mas um transe fanático gritou mais alto na cabeça do algoz e o estampido de fogo encerrou as tirinhas do artista menino, que tinha o desenho como a naturalidade do passo, o pisar no chão sentindo o frescor dos dias e sorrir como criança brincando.
Glauco, adepto do Santo Daime, buscava a viagem interior para conhecer o mundo dos ancestrais, as micro-partículas do indizível e o lado astral pouco utilizado por meros mortais. Fundou a igreja o Céu de Maria e recuperava viciados em drogas, inclusive o seu próprio assassino.
E, assim, a arte se despede do criador neste plano de existência e o deixa se unir ao grande Henfil, que partiu no rabo do cometa. Talvez, chorar seja desnecessário, já que no Azulejo do Conde Arnoso Eça de Queiroz diz que a arte oferece-nos a única possibilidade de realizar o mais legítimo desejo da vida, que é de não ser apagado de todo pela morte. Então, viva! Viva, Glauco.