Anita e a matula

 
Escrevi uma crônica e nela usei a palavra matula. Minha amiga Anita leu e se surpreendeu: não conhecia essa palavra. Em pesquisa na web encontrou o significado que eu conhecia: lanche para viagem. Sem muita certeza, pois havia discordâncias, minha curiosa amiga, supondo ser um regionalismo, foi procurar em dicionários impressos – aí a surpresa foi minha. Nunca imaginei que tivesse outro significado – lanche para viagem. Mas tem: o Aurélio diz: vida de vadios, vadiagem. Matula – multidão de gente ordinária. Já o Hildebrando de Lima e Gustavo Barroso, apresentam súcia, corja. Mas também diz que é farnel, comida que se leva no alforje para viagem. E mais, ela me disse: que se eu errar a acentuação, mátula, estarei me referindo a um penico.

Matula é algo que não se leva mais para viagem. Nem mátula. Qualquer meio de transporte hoje oferece melhores condições ao passageiro – desde serviço de bordo ou serviço sanitário. In loco ou nas paradas. Mas antigamente não se viajava sem levar matula. Era uma garantia caso a viagem atrasasse ou coisa e tal. Mas já houve viagens em que eu gostaria de ter levado uma mátula – por exemplo: no caminho de Lavras a Divinópolis, não posso precisar o lugar, fomos a um sanitário realmente fantástico – um buraco de cimento nos aguardava. A mim ficou aguardando. Depois, viajando pela Europa, nunca pensei que encontraria o que encontramos – um sanitário semelhante ao do caminho para Divinópolis. Só que um pouco mais sofisticado – era um buraco de louça. Tudo bem se fossem sanitários masculinos, mas não: eram os únicos. Unissex. Sei que a Sá Maria Onofra, a parteira que me trouxe ao mundo não teria nenhum problema: ela usava saias longas, sem nada por baixo e quando se sentia apertada parava em qualquer lugar. Quando recomeçava a caminhar as ruas de terra da minha aldeia mostravam o solo absorvendo o líquido que ela deixava ali, displicentemente.

Além do Aurélio, tenho o Michaelis e o Houaiss. Resolvi consultá-los. No Michaelis, nenhuma novidade. O Houaiss por sua vez complica mais a vida – já bem complicada pelo tamanho da letra: matula também é uma mecha de candeeiro – é de origem árabe maftula (torcer). Confirma as outras definições – urinol, penico, vaso para líquidos, gamela, grupo de vadios e ainda, parvo e tolo. (Esses, originários do latim, matula, matulae).

Atualmente acho que matula não é uma palavra muito usada, para qualquer significado. Pelo menos não me lembro de ouvi-la ou ler em algum lugar. Mas quando eu era menina, lá nas bandas de Arantina era muito usada. Quando viajávamos de trem era imprescindível – pão com salame, pão com sardinha... Eu me lembro de uma de minhas viagens para o colégio interno, em São João del Rei, quando levei pasteizinhos de bacalhau... Lembro-me também das bananas, a matula que provocou a curiosidade de Anita. E do pão com sardinhas que minha avó e eu esquecemos na mesa da cozinha da casa de minha tia, quando voltávamos de Lavras para Arantina. No começo do mês fui a BH para um enterro – saímos antes do almoço, com os minutos contados para chegar ao cemitério, sem poder parar – então levamos maçãs e bananas para comer no caminho, mas nem pensei em matula. Só em matar a fome.

Bem, então chega ao fim, mais uma crônica sobre o nada. Uma homenagem, porém a minha amiga Anita, que lê meus textos com atenção e os comenta. Não sei se ficamos mais cultas ao aprender os significados da palavra matula. Uma palavra em desuso, sem a menor importância. Mas sei que a cada texto que lemos uma da outra nos conhecemos melhor. E ficamos mais amigas. O que sem dúvida nenhuma faz valer a pena escrever sobre o nada. Afinal amigos nem precisam de assunto para conversar. 
 
 
 
 
 Meu blog http://marilim.net (Grãos de Areia)