Tempo fechado
“São as águas de março fechando verão”
Foi vendo a chuva pela janela e através dessas palavras do sábio Tom Jobim que percebi que é em março, no fim do verão, que o Brasil ressurge para o caos. Em março aparece um abismo entre as promessas de ano novo e a realidade. È quando se percebe que o mais cômodo a fazer é não realizar, deixar as listas de desejos e realizações feitas no primeiro dia de janeiro esquecidas nas gavetas da memória.
As caras voltam a ser pálidas, a cor da pele já não se destaca tanto nas roupas brancas. As praias e sol passam a ser figurantes, fazendo com que o tempo desbote as marquinhas de biquíni. O culto à pressa volta a reinar e a atropelar a educação, a paciência e até mesmo sorrisos.
O tempo aos poucos começa a ficar cinza e o humor negro. E a tranqüilidade fica tão perdida, que nem parece ser daqui.
Esses são apenas alguns motivos que me impedem de dar boas vindas a temporada outono/inverno, que começou há poucos minutos.
O verão no Hemisfério Sul, onde está localizado o Brasil e boa parte da África e da Oceania, começa no dia 21 de dezembro e termina em 20 de março, quando tem início o outono. Ou seja, o outono começa exatamente hoje. Pelo menos, em tese. As estações aqui no Nordeste e dentro de mim não costumam ser tão bem definidas assim.
Sei que muita gente vai querer me matar por eu está fazendo cara feia para essa nova estação. Soa até como egoísmo diante de um aquecimento que está fazendo da Terra um caldeirão. Mas não consigo fingir que gosto de lama, guarda-chuvas, mofo, sapo e, principalmente, pé frio.
Tenho que confessar que também temo muito essas chuvas. Elas adoram uma destruição total para se divertir.
Na minha opinião hojé “É pau, é pedra, é o fim do caminho/ É um resto de toco, é um pouco sozinho/É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã”. Esses versos Traduzem uma vida bem mais ou menos. Uma vida outono/inverno. Com roupas, caras, tempo, cores, corações... Tudo fechado. Fechado para balanço. Ansiosos por uma vida mais cheia de vida e transpiração, de portas e janelas abertas, pés descalços na areia. Uma vida bem mais verão.
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