Um círculo de mulheres (2) 

Repartindo o coração que nem pão 
           
          
A massa estava pronta. O convite para a modelagem veio depois e todas puseram a mão na massa criando formas variadas: trança, coração, um telhado aconchegante... 

               Sentadas a volta da mesa, 12 mulheres. Duas delas, vindas pela primeira vez: Bel, a que achou que iria participar de uma oficina de oração, e Cida. Apresentações rápidas, a receita do pão que assava na cozinha foi repassada para todos. O local: a varanda interna da casa de Sônia, a visão do verde em um quintal gramado. 

             Primeiro veio a música, na voz de Simone e Zélia Duncan.Amigo é casa, de Capiba e Hermínio Bello de Carvalho. Letra na mão, cada uma de nós pôde segui-la. Cada verso, uma emoção:

Amigo é feito casa que se faz aos poucos
E com paciência para durar para sempre.

Alguns versos vão penetrando fundo no coração de cada uma. Tem gente que só de ouvir, chora. Eu não choro, mas bebo cada palavra e penso em meus amigos. São tantos espalhados em tantos lugares do mundo. Alguns deles eu nunca vi cara a cara, nunca senti o cheiro nem conheço o som da voz. Mas são meus amigos e eu sou amiga deles.  
 
(...) A casa é amizade construída aos poucos
E que a gente quer com beira e tri beira
Com gelosia feita de matéria rara
E altas platibandas, com portão bem largo
Que é pra se entrar sorrindo nas horas incertas,
Sem fazer alarde, sem causar transtorno.
Amigo que é amigo quando quer estar presente
Faz-se quase transparente sem deixar-se perceber (...)

Ser transparente sem deixar-se perceber, uma linda imagem para o amigo. Aquele que está sempre ali quando percebe que você precisa dele, mas não se deixa perceber para não incomodar, para respeitar...

(...) Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha
E oferece lugar pra dormir e comer. (...)
(...) oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem.
Quando não tem finge que tem
Faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão. *

O grupo é coeso. Fala um de cada vez, mas nem sempre foi assim e de vez em quando ocorrem recaídas. Foi preciso instituir um estratagema para manter a ordem. Uma colher de pau é colocada no centro da mesa.   Quem quer falar, empunha a colher. Fomos instadas então a falar o que sentimos sobre amizade depois que ouvimos a música. Cada uma foi se manifestando, a roda girando no sentido horário. Conceição, usando a colher como um microfone, disse que amigo aparece quando a gente precisa. Deu um exemplo emocionada e emocionante. Foi a primeira e em sentido horário a colher foi passada de mão em mão. Marlene, Vânia, Célia, Bel , Cidinha, Dirce, que comentou sobre o papel da amizade em família, Cida, que considera que tem poucos amigos. Pode contar nos dedos da mão. Beth argumentou que é preciso diferenciar amizade verdadeira da passageira. E eu, como sempre exagerada, garanti que os dedos das mãos e dos pés são poucos para contar os meus amigos. É claro, causei uma pequena celeuma – Dirce discordou de mim, pela primeira vez, disse ela. Mas na verdade nem havia discordância, só falta de entendimento em relação aos argumentos.

Logo a seguir recebemos uma folha de papel para traçarmos um paralelo entre as fases da construção de uma casa e da construção de uma amizade. É impossível relacionar aqui a manifestação de cada um, mas foi muito interessante. Falo então da minha comparação:

1 – Planejamento: Os primeiros contatos entre duas pessoas empáticas uma a outra.
2- Base: aprofundamento do conhecimento entre duas pessoas.
3-Paredes: as vivências que vão adquirindo juntas.
4 - Telhado: O apoio que se dá um ao outro quando necessário (consenso entre quase todas as participantes)
5- Acabamento: Aparar arestas.
6- Jardinagem: Os mimos. Aquilo que fazemos para alegrar a vida do amigo, enchê-la de beleza sem motivo nem razão.
7- Conservação: Atenção constante.
 
Célia manifestou-se de forma diferente de todas- escreveu um texto, um texto lindo. E eu que nem sabia que ela escrevia assim tão bem!
No momento seguinte, recebemos um coração de cartolina, onde deveríamos completar a frase: Eu gosto quando... e assinar. Corações devolvidos e embaralhados fomos buscá-los novamente. Fiquei com o coração da Dirce que agora sei do que gosta. (Eu já sabia. Afinal amigo sempre sabe). O meu, foi parar em mãos de Célia, que me deu aquilo de que gosto: um sorriso franco e acolhedor.

Foi pena que Rosangela (uma das três responsáveis pela oficina) não pôde vir. As outras, Sônia e Lúcia, porém vão transmitir-lhe a avaliação que foi feita pelos participantes.

A avaliação foi positiva e foram realçados alguns detalhes como o fato de ter sido uma oficina embasada na leveza e na descontração (às vezes tratamos de assuntos bem pesados e fortes) e de ter sido a primeira vez que tratamos especificamente da amizade, que é o sentimento que une o grupo já faz bem uns oito anos.
Logo após os comes e bebes, tendo como “prato de resistência” os pães fabricados pela Sonia e modelados por nós. E como era meu aniversário, cantaram parabéns e apaguei algumas “velhinhas”.

·        A letra completa pode ser encontrada em meu blog
 
http://marilim.net (Grãos de Areia)
·        Lavras, tarde de domingo, 14 de março, casa da Sônia.vv