VOO TRANQUILO
O avião estava lotado, meu lugar era na poltrona do meio.
Na poltrona da janela uma moça loira (sempre as loiras).
Linda, usando uma blusa branca, calça preta e um sapato salto alto de bico fino estampado com minúsculas flores. Minha ignorância estilística não aprovou muito a combinação. Tinha as mãos branquinhas, bem tratadas...dedos finos...
Fiquei imaginando segurar aquelas mãos, nem que fosse por uns minutinhos...
Do outro lado um rapaz de uns trinta anos. Parecia que vinha direto de um rodeio. Barba por fazer, cabelo engomado espetado, parecendo um porco espinho, calça jeans apertada, camiseta preta com a manga bem curta e no braço tatuadas dezenas de estrelas. Deve ser pra mostrar que naquele “bração” caberia uma Via Láctea.
O voo foi tranquilo até chegar perto de São Paulo
A gente sempre diz que em Congonhas o avião não aterrissa e sim aterroriza, parece que vem em zig zag contornando os prédios. Dá pra ver o pessoal tomando café da manhã tranquilamente em seus apartamentos.
Veio balançando muito, na hora de tocar o solo arremeteu abruptamente e ultrapassou as nuvens.
Não tenho muito medo de avião...isso é... consigo me controlar. Olhei para os lados...
A moça continuava lendo uma apostila, impávida; já o cowboy estava branco, olhos arregalados movendo os lábios como se fizesse uma última oração.
Ao notar que olhei para ele me disse:
- Estou vindo de uma feira agropecuária em Goiânia, morro de medo de avião, prefiro cavalos, motos e minha F250.
Eu murmurei um hummm!
Ele continuou:
- Sempre viajo com meu pai... ele não pode vir dessa vez... desde pequeno quando tenho medo ele segura na minha mão o que me dá mais confiança. O senhor parece muito com ele...me desculpe... não sou gay....aliás...sou muito é macho...mas em terra... em solo firme...posso pedir um favor?
- Sim - respondi, já adivinhando o constrangimento.
Segurou minha mão esquerda e apertou com muita força... caraca... que fria...
A moça vendo o ato enfiou a cara na apostila e fez de tudo pra segurar o riso... sem sucesso é claro.
Quando o avião finalmente pousou, ele se levantou, correu para a porta e foi o primeiro a descer...não disse nada.
Deliberadamente deixei a moça seguir na minha frente para apreciar seu caminhado.
Ela seguiu morrendo de rir até sumir no meio da multidão.