RESPONSABILIDADE DE UM ANJO MALDITO

Lá vai ele quieto, andando cabisbaixo e pensativo, já nos seus trinta e poucos anos de vida. Na sua fugidia consternação, ele mal se dá conta do que procurava. Finalmente a encontra, parecendo que uma luz o fez tocar, ele avista a escadaria. E postado defronte ela, começou a subir os degraus, mas de vez em quando titubeava, pois no seu subconsciente parecia que alguém o empurrava e outro lhe puxava, tentavam de toda forma cada qual conseguir o seu intento. Adentrou no recinto e olhando diretamente no altar já se ajoelhando, fez o sinal da cruz. O assento frio como ele o convidava para sentar, sentou-se á esquerda. Coça a cabeça e murmura recortadas orações esquecidas pelo tempo.

Aquela imagem em vitral de uma santa com um menino no colo, parecia estilhaços da sua alma, o vermelho daquela arte o fazia lembrar (mesmo ele querendo esquecer naquele momento) do acontecimento vivido há pouco tempo atrás. Sobrecarregado de pensamentos tenta absorvê-los, refleti-los e ao mesmo tempo desculpar-se. Suando muito, solta uma condoída frase: (Meu deus me perdoe pelo que eu fiz!). Fica ali por um momento sem mover-se, aguardando quem sabe por uma resposta a sua aflição.

Discussão besta, ofensas e agressão por um ciúme que já era doentio. Causou os vários tapas (sangrando-a) e alguns pontapés na duvidosa infidelidade da mulher chamada (Linda). O alucinado quase foi ao extremo ao pensar em estrangulá-la, mas em misericórdia ficou só na ameaça. A coitadinha cagando-se de medo recolhia-se num canto, toda quebrada e chorando, agarrada aos seus dois filhinhos que tremendo, choravam mais ainda.

Acreditando que o que se passou foi obra de um anjo maldito, o qual aparentemente já o abandonou, levanta-se e ao lado do banco repete o sinal da cruz quase se ajoelhando. Como se tivesse pressa, ele, passo a passo em ascendente ritmo retira-se... Lá fora começa a remoer tudo novamente falando sozinho, baixinho... Sente que precisa desabafar e lança: Por quê meu Deus? Por quê? Por quê? E como se fosse uma resposta, uma repreensão moral rompeu-se dentro do seu ego, então, se pôs a chorar... Se recompondo, ele mete a mão no bolso e com o isqueiro acende um cigarro. Apressadamente passa na farmácia e compra medicamentos, dobra a esquina... Para o lar ele vai...

Antes de entrar no portão ele olha a casa em toda a sua altura e ângulo que a sua visão possa cobrir, dá um enorme suspiro e expulsa o ar como se tivesse exorcizando um gigantesco demônio do seu corpo. E com uma cumplicidade outrora revogada, chama a sua mulher pelo segundo nome dizendo: Vitóriaaa?? Eu estou aquiii... Já cheguei! Me perdoe querida, eu te amo!

Jlle, 10/10/1985.

Setedados
Enviado por Setedados em 07/03/2010
Reeditado em 13/06/2011
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