Caminhando pelas ruas da grande cidade. Para onde vão essas pessoas preocupadas? Pressa em seus olhos assustados. Olhar de zumbi. Há pouco tempo, pouco tempo. O tempo derrete feito tablete de chocolate no calor do verão. Tempo para que? Não param mais para olhar uma flor. O tempo os engole, a boca voraz. Mundos estranhos, pessoas estranhas, pensamentos em fuga. Sempre para frente, à frente. Passos rápidos, olhar perdido, mundos à parte. Esbarram-se, chocam-se, mas não se olham nos olhos. Um olhar torto, um sorriso alienado. O que se perdeu, o que ficou para traz? Metrópole, atarefada colméia. Insetos em desarmonia. Procurando entender o que se passa. Escutando vozes soltar no ar. Mãos que não sabem onde tocar. Escutando vozes em suas cabeças. Quem falou o que eu ouvi? Aonde vai a formiga em sua pressa? A velha senhora me pergunta as horas e tenta encontrar a cidade que se perdeu em um tempo a muito esquecido. Onde ela se perdeu? Em que esquina, em que rua serena? Nenhum bonde vai para lá. Onde está o som arrastado de passos tranquilos na rua esquecida? Vasos de flores na janela. O primeiro beijo trocado no banco da praça. O mendigo se lembra do tempo onde a esmola era farta. Lojistas mal humorados esperam o fim do expediente. Vitrines em liquidação, pensamentos em liquidação. Duas almas pelo preço de uma. Quem vai levar? Rostos cansados e perdidos no calor do fim da tarde. Querem ir para casa. Tomar banho, jantar, assistir o telejornal, fazer sexo, dormir. Amanhã tudo começa de novo. Qual o sentido? Filas intermináveis nos pontos de ônibus, esperando veículos que estão atrasados. A velha senhora que me perguntou as horas espera seu ônibus. Lembra minha avó. Cadeira de balanço e conselhos para qualquer ocasião. Boa hora para começar uma conversa, mas quem vai puxar o assunto? Cachorros vadios enxotados pelos moleques de rua. A velha puta com maquiagem carregada e falso olhar de desejo. Olho com desejo sincero a garota que passa. Ela também me vê, me olha ligeiramente nos olhos. Eu esboço um sorriso. De repente ela desvia os olhos, baixa a cabeça e segue em seu passo apressado. E se eu fosse quem ela espera? Penso em ir atrás, puxar conversa, colocar-lhe um sorriso no rosto. Mas ela já se perdeu na multidão apressada. Oportunidade perdida. Mas quem sabe amanhã? Esperança na cidade desesperançada. O Homem de Terno e Gravata anda rumo ao seu carro. Olhar desconfiado. A noite se aproxima. É preciso chegar logo em casa, fechar as portas, tentar conversar com as crianças antes que elas se percam em seu mundo de ilusões virtuais. Saudades da pracinha da infância, cidade do interior. Eu tinha que comprar algo que não me lembro... É claro, um coração. Onde se acham corações com estilo retrô? Em um brechó? Será essa a solução? Substituir os corações dos jovens por velhos corações de avós? Fazer isso enquanto ainda há tempo. Tempo para que? O tempo passa e eu ainda não cheguei. Pego o dinheiro da passagem e entro no ônibus. Amanhã tudo começa de novo.