A culpa é nossa.

Já faz uma semana que tudo ocorreu e eu ainda acordo com o gosto azedo da realidade na minha boca. Não existe creme dental, anti-séptico bucal, pastilha, chiclete ou reza braba que faça tirá-lo daqui.

Talvez existam cores mais prováveis, mas foi o vermelho que deixou esse gosto em mim.

Há exatos sete dias atrás, eu estava voltando da praia com uma amiga, o som do carro estava alto e tínhamos nossos melhores sorrisos no rosto quando paramos em um sinal qualquer. De repente, surgiu um menino meio que de lugar nenhum e nos abordou pedindo algum trocado. Dei a ele o único dinheiro que existia na minha carteira no momento: R$ 5,00.

Até o sinal mudar da cor vermelha para a verde, tive tempo suficiente para presenciar a maior felicidade do mundo surgir nos olhinhos iluminados e pulos altos de comemoração daquele menino. Aqueles pulos, normalmente, só seriam proporcionais ao dinheiro do prêmio da Mega Sena acumulada.

Ele estava nas nuvens e eu apenas com o queixo grudadinho no chão. Fiquei perplexa e, por vários minutos, sem palavras. Nunca pensei que algo tão simples pudesse tocar alguém assim.

Dói bastante ter que confessar como a minha visão do mundo é limitada e o meu egoísmo imenso.

Dói mais ainda saber que na noite anterior ao ocorrido, gastei dez vezes mais só para entrar em uma boate, fora o que foi gasto antes, durante e depois para deixar completa a animação. Tudo isso apenas para brincar de ser feliz.

Seria mais fácil se todas as outras pessoas fossem diferentes de mim. Mas, infelizmente, a grande maioria não é.

O mundo vai caminhando para destruição e a única preocupação é com as nossas próprias vidas, nossos desejos, futilidades e ambições. Vamos sempre fingir que a culpa dos problemas é do vizinho, da pessoa sentada ao lado, do marido, da esposa, do patrão, do empregado, de algum político qualquer, enfim, a nossa mira sempre estará apontada para o primeiro alvo que aparecer na nossa frente.

Assim, e só assim, ficará mais fácil dormir chorando por algum idiota que, provavelmente, no mês seguinte não terá nenhum significado. A vida poderá continuar light e as calorias do iogurte poderão ser contadas automaticamente no café da manhã. Aquelas comprinhas “básicas” poderão ser realizadas sem qualquer pressão psicológica ou social. Entre outras coisas que prefiro que fiquem explícitas apenas na consciência de cada um.

Porque enquanto isso, muitos contam as horas para chegar o momento em que irão comer (Sorte quando chega este momento). Outros tantos além de não ter comida também não têm onde dormir. Esses, sim, têm motivos para chorar. E, por incrível que pareça, não choram. Eles agradecem por ainda ter calçadas como camas, papelões como colchões e jornais como lençóis. Sem falar dos doentes, do que sofrem violência, dos que praticam violência, dos que vendem e dos que usam drogas... Sem falar em outros males que existem, mas que nem consigo imaginar.

Francamente Talita, cada me decepciono mais com você, com esse seu comodismo, egoísmo e inutilidade. E também com todos vocês, que estão lendo este texto, e são iguais a mim.

Bem lá no fundo, na obscuridade da nossa consciência, sabemos que essa culpa já tem dono. Ela é nossa! E de mais ninguém.

Espero que o vermelho consiga surtir efeito contrário do que costuma em nossas vidas. Tudo depende do ponto de vista. Quando estamos com os pés no chão, o vermelho do sinal nos permite seguir.

Talita Souza
Enviado por Talita Souza em 28/02/2010
Reeditado em 03/09/2010
Código do texto: T2111556
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