POR QUE E PARA QUEM ESCREVO
 
 
Eu estava lanchando e pensando em J.D.Salinger. Eu comia e pensava, um pensamento completamente sem motivo. Pelo menos era o que eu pensava. E de repente pensei: Porque estou pensando em D. J. Salinger? Afinal nunca li seu livro célebre O Apanhador em Campo de Centeio e duvido que ainda vá ler. Ai, larguei pra lá. Terminei de lanchar e o foco de meus pensamentos mudou. O que vou fazer agora, nesta terça feira de Carnaval imensamente comprida? Tudo bem, vou ler Veja.
 
Veja chega a minha garagem todas as segundas-feiras. O que acho um desaforo. Afinal, se aos sábados visito alguma amiga na parte sul da cidade, Veja já está lá. Mas atualmente nem ando achando que vale a pena reclamar. Eu só folheio a revista e nada mais. Falta-me tempo. Como hoje o tempo está sobrando resolvi que ia ler Veja. De trás para frente, como sempre faço.
 
Na última página de Veja, Roberto Pompeu de Toledo. Gosto das coisas que escreve. Sempre quando a página é sua, leio com redobrada atenção. Pompeu está no encalço de Chiu-Fang Kao. Eis as primeiras palavras de Pompeu:
                     - O americano J.D.Salinger filiava-se à seleta família dos escritores que marca fundo o leitor. Publicou quatro livros, só quatro – o célebre O Apanhador (...),e os melhores ainda Nove Histórias, Fanny e Zoey e Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira e Seymour, uma Apresentação. 
  
Foi aí que a Miss Cultura aqui se danou: e eu que pensava que ele só tinha escrito um, o tal do Apanhador e agora vem o cronista me dizer que ele escreveu mais três e melhores ainda do que o primeiro! Todos objeto de culto. E agora foi a vez da Miss Lerda aqui ganhar mais um prêmio: e não é que eu tenho esse último, comprado há mil anos atrás em um sebo e nunca me interessei por ler! Corri lá em cima, na minha bibliotecazinha e nem foi difícil achar – Pra cima com a viga, moçada e Seymour – uma introdução. E agora ele está aqui em minha frente com sua antiga capa branca (agora creme) o título em preto e o nome do autor e da editora em vermelho. É da editora Brasiliense, da Coleção Circo de Letras em 1984. Agora vai para a minha mesinha de cabeceira enfrentar a fila dos meus soníferos.
 
Tudo explicado não é difícil entender porque eu pensava em Salinger – provavelmente ao folhear a Veja já havia percebido o artigo inconscientemente além do que, sabia que o autor havia morrido fazia pouco tempo. Resolvi ler o artigo cuja chamada prendeu a minha atenção: “Tudo o que um escritor quer é publicar. Escrever, assim como falar, implica quase necessariamente ter alguém na outra ponta. Quase – uma exceção foi Salinger”. Bem, pensei. Não foi tão exceção assim, publicou quatro livros! Foi o que pensei. E iniciei a aventura de ler o cronista de Veja.
 
 Em um texto claro e gostoso ela perpassa a vida de D.J.Salinger principalmente em busca da compreensão de seu mistério. Não é o meu assunto aqui, falar sobre isso, a não ser que é um excelente artigo e vale a pena ser lido. O que me chamou a atenção basicamente foi a informação de que ele nunca parou de escrever, só de publicar, porque considerava que escrevia para ele mesmo, para o seu próprio prazer.
 
Bem, aí, egocêntrica que sou, me vi pensando em mim: afinal por que escrevo se não tenho nenhuma gana de ser publicada? Durante muito tempo pensei que escrevia para o meu prazer, só para o meu prazer. Hoje tenho certeza que não, embora continue escrevendo por prazer já ouso dizer que preciso da outra ponta, o leitor. Certamente eu escrevo para você que agora está lendo esta crônica e que ainda por cima fará a gentileza de escrever um comentário.