Lógica de Consumidor
Comprei um livro e enquanto o folheava percebi um pequeno defeito em duas de suas páginas. Era algo simples, pequenas arestas que resistiram ao corte e ficaram sobrando. Nada além de uns cinco centímetros que não alteravam em nada o conteúdo do livro. Se as dobrasse nem seriam notadas. Mas, lá estavam elas, incômodas a desafiar meu senso de perfeição.
Por alguns instantes essas insignificantes arestas me causaram um angustiante conflito. “Ah, vou trocar este livro, afinal está com defeito”, pensei. Porém, imediatamente voltei atrás considerando, “ mas nem altera o texto, que é o mais importante.” Minha racionalidade de consumidor esclarecido, porém, argumentou, “ora, eu paguei por um produto perfeito e tenho na mão um livro defeituoso.” Todavia meu lado prático insistiu em ponderar, “um corte preciso com tesoura e uns cinco segundos de tempo resolveriam o problema.” No entanto, meu anseio pela perfeição se exaltou, “grande ou pequeno é um defeito e, além disso nem tive desconto. Não, não posso levar este livro defeituoso” Ante contestações tão veementes, fui convencido afinal. Resoluto voltei à livraria e solicitei a troca, no que fui prontamente atendido. Recebi um livro perfeito, sem arestas. Lá na prateleira ficou o livro rejeitado por não preencher os meus exigentes critérios de perfeição. Por causa de duas pequenas e simples arestas.
Esse episódio corriqueiro me fez refletir sobre os critérios que por vezes, sutilmente, utilizamos para integrar ou excluir uma pessoa do nosso círculo de amizade. Normalmente estamos sempre abertos e preparados para encontrar e desenvolver amizades com pessoas que sejam “perfeitas”, bonitas fisicamente, inteligentes, integradas social e economicamente, que tenham bons hábitos à mesa... e com uma série de outros itens que preencham nossas vãs expectativas.
Geralmente temos a tendência para gostar daqueles que se parecem conosco. Isso nos dá uma margem de segurança e a tranqüilidade de que dificilmente seremos confrontados ou questionados em nosso estilo de vida. Por outro lado, é certo também, que com tal postura teremos poucas chances de nos surpreendermos e poucas oportunidades de termos a vida enriquecida pelas idiossincrasias daqueles que são diferentes de nós.
Assim, quando nos defrontamos com aquelas pessoas difíceis de amar, preferimos fazer “devolução”, como faríamos com um produto defeituoso. Não estamos muito dispostos a aparar arestas, a ter paciência, “perder” tempo com pessoas que não se encaixam no nosso perfil. Como bons consumidores, somos orientados pela lógica do mercado e queremos o imediato, o perfeito, o adaptável, o que prometa bons resultados. Talvez tenhamos medo de expor nossas próprias arestas e, de repente, nos acharmos na condição de sermos rejeitados e devolvidos como produtos defeituosos.