O MILAGRE DA VIDA E DA MORTE NO TSUNAMI

É preciso inventar no coração humano um novo sentimento para que as dores que o mundo chora hoje possam ser compreendidas em sua real dimensão. A globalização torna-nos mais humanos, ao aproximar indonésios, suecos, indianos e tailandeses, acampados sob a mesma triste e misteriosa tenda da tragédia. A globalização ensina-nos a chorar juntinhos, compartilhar da mesma dor, apesar da insensibilidade da antena parabólica.

O tsunami não levou consigo apenas as mais de 120 mil vidas que os jornais lhe atribuíram. Levou também a vida daqueles que ficaram para completar ainda alguma misteriosa missão. Ainda não há previsão para o primeiro sorriso naquela região. A crueldade do tsunami castrou os músculos que acionam o sorriso do rosto humano. Haverá por muito tempo no sul da Ásia apenas rostos em 3x4. Sisudos como um maremoto.

Além do número 120 mil é preciso considerar a vida que há por trás das cifras. O jornal conta que morreram mais de tantas mil e quinhentas pessoas. O que ele esquece de dizer é que entre essas pessoas poderia haver uma que iria inventar a cura de alguma doença terrível. O que escapa do jornal é que poderia haver um casal apaixonado, que havia jurado amor eterno e que tinha feito dezenas de planos. O que a notícia não conta é que algum artista pudesse estar produzindo a sua obra-prima. Ou simplesmente, um filho estivesse planejando reconciliar-se com sua mãe, depois de muitos anos. Por quadros como esses é que considero o tsunami um assassino.

Mas é preciso acreditar na esperança. Apesar do carrossel de desgraças da vida, apesar do tsunami, é preciso acreditar na esperança e reinventar sucessivos milagres. Dá um pouco de alento saber que no meio de tudo isso há um cachorro indiano chamado Selvakumar. O ato nobre desse cão foi retirar um menino de sua casa durante a chegada das terríveis ondas. O menino é um dos três filhos de uma mulher, que no desespero, conseguiu carregar apenas duas crianças. O meu herói canino resgatou a criança, carregando-a pela boca e a levou até uma colina segura.

Há também de se considerar o caso dos bebês sobreviventes. Na Indonésia, um deles sobreviveu à tragédia sobre um telhado. O outro milagre se operou sobre um colchão. Tem menos de um mês de vida e dormia atrás da barraca onde seu pai vendia comida numa praia na Malásia. O local foi atingido pelas ondas gigantes da morte. Mesmo com a correnteza, a mãe da criança conseguiu alcançar o colchão que boiava sobre mais de um metro de água. Sobre ele estava o milagre da vida. Chama-se Tulasi esse pequeno sobrevivente, esse nobre e distinto irmão. Espero que Tulasi transforme-se num grande homem, crie filhos e tenha uma vida digna. E que saiba sempre, que cada minuto da sua vida será um instante de milagre. E que a esperança apostou em sua vida, num momento em que o mundo assistia, conformado, ao espetáculo da morte.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 11/02/2010
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