O PASSADO

O passado brinca muitas vezes com os nossos olhos. Leva-nos de volta a velhos casarões da nossa infância. Não falo da infância em que a diversão era as pequenas coisas e nos acomodávamos em pequenas camas. A infância em questão é aquela fase em que nos sentimos crianças para sempre por implorarmos por uma mão sempre maior que a nossa, e que vem, brotando de alguma noite, e nos acolhe, espantando toda forma de medo.

É muito infeliz aquele que ao passar todos os dias sob o sol, não se lembra de fazer uma visita a algo que em nós já foi um porto. Não importa se já não há mais barco para partir ou se o mar já não mais nos corrompe. O que vale é saber que nas idas e vindas do passado, pedaços de nossas vidas, partiam sempre em um distante barco. Agarrar-se a esse sentimento nostálgico pode inventar uma nova dor à nossa velha ferida. Mas como uma peste que nos corrói e faz-nos escravos, a lembrança nos abraça, convencendo-nos ser o último bálsamo do mundo.

A libertação espera o momento. Os olhos, porém, sentem-se traídos por novas visões. Mas haverá sempre na alma a necessária roupa que nos arrebatará qualquer medo, e nos empurrará sem remorsos e com uma brutal satisfação ao pé da montanha, onde um dia, com a mais inocente certeza, plantamos pedaços de esperança para a vida inteira.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 09/02/2010
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