O CATADOR DE PAPEL

O CATADOR DE PAPEL

Rangel Alves da Costa*

João, Pedro ou José era um desses seres humanos marcados pela pobreza, vivendo quase na miséria absoluta e, sem qualquer esperança de arrumar emprego, vivia pelas ruas catando papel para vender e assim ganhar o pão de cada dia. Não vamos falar na família de João, Pedro ou José, pois assim pouparemos de relatar outros sofrimentos

Pois bem, uma pessoa maltrapilha com um nome desses fazia sua labuta cotidiana pelas ruas de um bairro rico, desses cheios de alamedas e flamboiãs, recolhendo todo tipo de papel e papelão ali deixados como lixo, quando se deparou com uma fotografia grande, dessas de se colocar em moldura na parede, ali jogada por cima de sacolas plásticas contendo papéis e outros objetos. Na fotografia antiga, uma bela mulher, com uma feição de vivacidade e sorriso expressivo. Apanhou o retrato, limpou cuidadosamente, admirou-se daquilo tudo e resolveu não jogá-lo na pequena carroça junto aos demais papéis. Guardou-o cuidadosamente.

Passados uns três dias, fazendo sua via-crucis pelo mesmo lugar, o catador de papel novamente encontrou algo estranho jogado no lixo defronte ao mesmo casarão em que havia recolhido a fotografia. Era um pacote com dezenas de cartas já amareladas pelo tempo, porém ainda em ótimo estado de conservação e com letras bem legíveis. Mas João, Pedro ou José não sabia ler; mesmo assim achou melhor não jogar aquelas cartas junto aos outros papéis na carrocinha. Guardou-as cuidadosamente.

Em outras ocasiões, naquela rotina de sol, chuva e busca do pão, o catador de papel foi encontrando outros objetos no lixo do casarão que, aí sim, ao invés de despertar sua curiosidade, já passaram a demonstrar preocupação.

Primeiro foi uma bolsinha plástica contendo uma aliança e outras pequenas jóias antigas; depois um rosário de orações e uma imagem bíblica bonita; e, por último, uma bíblia, toda marcada com fitinhas nos evangelhos, versículos e salmos. Nada disso foi para o lixo, como realmente não deveriam ir, principalmente por serem objetos de valor, cuja venda poderia render algum dinheiro. Porém nada foi vendido por João, Pedro ou José.

Numa certa manhã, o catador de papel decidiu que não faria seu humilde trabalho naquele dia. Iria, sim, até o casarão e lá procuraria conversar com alguém, de modo a informar sobre os objetos que havia encontrado ali como lixo e procurar saber quais os motivos de uma pessoa querer se desfazer daquele modo de objetos tão pessoais e importantes. Vestiu sua melhor roupa e se dirigiu até a antiga residência.

Chegou em frente ao portão, olhou de cima a baixo o casarão e percebeu que tudo estava fechado, nenhuma janela sequer aberta. Mesmo assim tocou a campainha uma, três, dez vezes e nada. Ainda estava ali parado quando alguém o chamou. Era uma senhora numa casa no outro lado da rua. Se dirigiu até o local e foi recebido pela mulher com as seguintes palavras: “Não adianta chamar meu filho; há mais de cinco anos que não mora ninguém naquela casa. A última moradora, Dona Carlota, morreu rica, porém sozinha, a se lastimar da solidão e da saudade do seu marido falecido há muito tempo”.

João, Pedro ou José estremeceu, mas não disse nenhuma palavra. Voltou atordoado para casa, pensativo, pensativo, misteriosamente pensativo. O que faria com aqueles objetos fantasmas? Ora, só poderiam ser coisas do outro mundo. Seria pecado vender coisa do outro mundo?, se perguntou.

Chegando em casa, sem dizer nada a ninguém, foi diretamente verificar se os objetos ainda estavam no lugar que havia guardado. Estavam, mas uma das cartas havia se soltado e estava jogada num canto. Mas ele não sabia ler, meu Deus.

A mulher veio correndo quando ele chamou. “O que tá escrito aí?”, perguntou. E a mulher leu e disse: “Ela só diz que a fotografia e as cartas devem ser queimadas, as jóias devem ser vendidas e o rosário e a bíblia servirão para que tenha fé em Deus que será recompensado na vida, e diz ainda que no mais humilde trabalho pode estar a chave para a felicidade. Só isso”.

“E onde está a imagem de um santo que estava aqui?”, perguntou ele. “Que santo que nada homem, será que você não conhece nem mais a imagem do Nosso Senhor Jesus Cristo? Olha lá ele já na parede”.

No outro dia, ao passar em frente ao casarão, mesmo assustado foi ver o que havia no lixo. E lá encontrou um belíssimo colar de esmeraldas cravejado de diamantes.

Advogado e poeta

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