As Primas
As primas vieram nos visitar. Duas sobrinhas de minha mãe, a Maristela e a Cristina. Uma é a filha mais velha do Tio Licinho, a outra, do tio Mané. Vieram para uma visita de beija flor. Mal abriram a mala já a fecharam de novo. Mas mesmo assim, valeu.
Foi bom revê-las. Viemos todas da mesma origem. A pequena cidade de Arantina. Com o tempo, a gente vai se espalhando, uns aqui, outros ali. Criando outros laços, outros interesses. E a gente vai se afastando no cotidiano. De repente um casamento e nos encontramos. Depois, uma morte e a gente se encontra de novo. Outras vezes, um aniversário especial. Os oitenta anos de um, os sessenta de outro. É a vida.
Mas elas chegaram e foi como se nunca tivéssemos nos separado. Um caso aqui, outro ali e a torneira das recordações jorra água cristalina. Mesmo as lembranças tristes são contadas se não com alegria com muita ternura. São as raízes que foram plantadas há muito tempo e que se tornaram impossível de arrancar. Mas também, quem quer arrancá-las? São as raízes de Chico Caetano e Maria Fernandes, ele, Agente Postal e comerciante; ela, dona de casa e analfabeta.
Alguns galhos dessa árvore foram podados muito cedo. É o caso das três crianças que receberam o mesmo nome, Benedito e pouco viveram. Outros foram podados mais tarde deixando-nos em a proteção de sua sombra cálida: Licinho, Alemão, Melinha, Dito (outro Benedito) e Chiquito. E ainda outros resistem bravamente: Clarita, Zenita, Mané e Cida. Mas cada um desses nove galhos deu origem a novos galhos que por sua vez foram originando outros e mais outros. Somos muitos.
Fico pensando se ela estivesse viva, a minha avó branquinha. Fico pensando o quanto ela se sentiria orgulhosa dos frutos que gerou. Nove filhos, quarenta e seis netos, se é que contei direito. Os bisnetos? Perdi a conta. Gente de tudo quanto é jeito. Mas posso garantir uma coisa: todos bonitos e inteligentes.
Pois é. As primas vieram nos visitar. E quando primos se encontram é sempre uma festa. Pois primo é quase irmão. A gente se senta ao redor da mesa da cozinha e começa a contar casos e mal acaba um já se emenda outro e vamos tendo notícias de todos, sabendo como estão. E os risos são tantos que ecoam como uma cascata caindo nas pedras do rio.
E pela noite afora vão mil casos de vida e morte renascida, causos estranhos de assombração. Mas dessa vez o que mais valeu foi a gargalhada que todos demos a partir de um fato que pode não ter graça nenhuma para ninguém, mas para nós teve e certamente vai virar folclore. Foi quando minha mãe, uma mulher inteligente e sensível, aos oitenta e cinco anos e sem nenhuma sombra de senilidade fez uma determinada pergunta a minha irmã a de número seis. Val perguntou alguma coisa a ela sobre o nosso falecido pai. Nem deu pra lembrar o que foi porque ela respondeu com outra pergunta: Valéria, quem é o seu pai mesmo? Todo mundo se entreolhou por um segundo e depois foi uma risada só que não teve hora para acabar. E o riso ia e vinha, subia e descia pensando no disparate que ela havia dito, a minha mãezinha, tão séria e severa.
Lavras. 2 de fevereiro de 2010.