Até o amanhecer
A madrugada é para mim o melhor momento para o homem se encontrar consigo mesmo. É quando todas as obrigações estão adormecidas e as esperanças se renovam. É o momento da espera, o momento do encontro e também das decepções. São as ditas horas mortas em que a vida tem a oportunidade de se manifestar de maneira mais real. Seja na solidão da reclusão do lar ou numa festa interminável que ignora o canto dos pássaros que acordam junto à alvorada.
É nesse período em que se encontram e se separam os amantes, em que a sonolência do mundo permite que a imaginação dos noctívagos crie asas para realizar grandes feitos. É quando se realizam e se desmascaram as infidelidades, quando se firmam as grandes parcerias e quando ocorrem a maioria das fecundações. É a madrugada meu momento favorito do dia. Dormi-la parece-me um desperdício. Perder o nascer do sol um sacrilégio. Viver sob o sol escaldante uma tortura.
Mas ela é minha. E nela vivi grandes aventuras. Conheci novos amores, me decepcionei com os antigos, fui fecundada e senti os primeiros sinais do início da maternidade, que me manteve acordada madrugadas a fio. Conheci novos amores. Me decepcionei com os antigos. Remoí os antigos. Revivi os antigos. Desejei revivê-los. Desejei reviver amores que nem chegaram a se tornar amores. E mesmo quando dormia, sonhava na madrugada a realização do impossível.
Escrevi. Apaguei. Adorei, detestei. Mas amei, amei, amei e por isso amo a madrugada.