CADINHO DE SONHOS
Acabo de ler Célia Lamounier de Araújo em “Cadinho de Sonhos”. A força da palavra na expressão concisa, a beleza poética na sonoridade do verso moderno que poucos conseguem, a iluminura na criação.
Caldeirão poético no qual se misturam da trova ao haicai e o tristique, do soneto ao poema moderno e os poemetos a que denomina poemínimos. Prosa, textos em dueto ou a duas mãos. Deus guia a mão do poeta. Um ser superior, indefinido, porém sentido, se entranha na sua mente, não diria quando escreve, sim em certos momentos enquanto escreve. “Eu sinto em mim o borbulhar de um gênio” definiu Castro Alves em uma de suas explosões de pura luz. Não é sempre, repito, não é sempre. Entretanto é exato que existem toques de luz. Sou um homem de muitas dúvidas em termos de religião e do que se entende por Deus, nos termos propostos pelas religiões, sem distinção de nenhuma. Creio, entretanto e firmemente, que algo ainda acima do conhecimento humano existe no comando da vida, na impulsão interior dos seres inteligentes. Pois se eu mesmo o sinto...
Célia Lamounier está entre os seres que nos apontam momentos maiores que os da chamada inspiração poética, diversa dessa a que a que me refiro, o espírito de luz, quiçá o espírito de Deus, inserindo-se em cada um de nós na hora iluminada. Veja-se. Coisas de poeta. Um instante de fogo:
“Dia, mês, ano?
Não importa ser tempo
E sim ser colibri”.
“Sou como rosa de muitas pétalas
para você arrancar
uma a uma.
Cada perfume e cor
se entranhando em você”.
“Espero você.
Mas não se demore.
As pétalas macias
da rosa vermelha
caem depressa".
Vejamos em autores de ontem, e comparemos, um pouco desse toque divinal que os inscreve na imortalidade, tão semelhantes aos de Célia Lamounier:
“Ó mar salgado,
Quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal”.
(Fernando Pessoa)
“Canto porque o canto existe
E minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste,
Eu sou poeta!”.
(Cecília Meireles)
“Eu queria trazer-te uns versos muito lindos...
Trago estas mãos vazias
Que vão tomando a forma do teu seio!”
(Mário Quintana)
A inspiração vem de uma leitura, de uma visão agradável, de uma sugestão qualquer. A luz é um fenômeno interior, digamos vem de Deus, de um ente que se intromete quando quer, por razão sua, na mente da pessoa humana para o milagre do imponderável.
Essa, a seguir, não é iluminada, é sábia, e agora sim a inspiração. E o sábio, Célia, também conduz ao eterno:
"Foi depois de tantas fugas
que acabei por entender
que sem pranto, dor e rugas.
ninguém aprende a viver".
22/01/010.