Depois de uma longa viagem...
 
Cheguei de países que um dia foram longínquos para mim e que de repente ficaram ali, atrás do morro. Enquanto o carro que me fora esperar no aeroporto corria em direção ao berço, vim pensando em quanta coisa tinha para contar. Recostada no banco traseiro, olhos cerrados, livre da obrigação de olhar a paisagem tão conhecida, imaginava as histórias que priorizaria contar.

Vi tanta coisa nos vinte e um dias que fiquei fora que certamente poderia até escrever um livro sobre o assunto. Vi coisas tão belas que me fizeram lamentar não tê-las em meu país. Mas também vi coisas que me disseram  o quanto eu tinha sido abençoada por ter nascido onde nasci.E era principalmente isso que eu queria contar – os aspectos que fariam quem ouvisse sentir orgulho da Pátria Amada.

Quando cheguei  porém a primeira pergunta que todos me faziam era a mesma: E aí, o que mais gostou nessa viagem? Tentei responder com sinceridade,     mas não pude porque não sabia. Para ser sincera era preciso ter conhecimento e realmente essa era uma resposta que eu não podia dar porque realmente eu não sabia. Gostei de tantas coisas que precisava de um tempo para organizar as idéias e priorizar as minhas preferências. E as coisas das quais não gostei que eu  pensava  estarem ali completamente alinhavadas pois eu fazia questão de guardá-las bem, eu contei só para uma ou duas pessoas porque me faziam sentir mal: como eu podia contar coisas tão bobas só para mostrar que aqui fazíamos melhor? Não era justo com quem tinha me recebido tão bem e passado a fazer parte de minha história.

Resolvi então escrever as minhas lembranças. Sempre tive maior facilidade para falar de mim e de minhas histórias através da escrita. E assim comecei construindo histórias advindas delas, as minhas lembranças, a minha moda, com o máximo de ternura possível, uma total liberdade. Queria prender para sempre esse período em mim, de tal forma que não pudesse ser esquecido. E assim tenho feito, esporadicamente, sem ordem de tempo ou de espaço. Criei um dicionário que a medida em que vou me lembrando vou lá e acrescento alguma coisa, pois é uma obra aberta.

No entanto descubro agora que é uma preocupação não pertinente. Posso esquecer certos detalhes e por isso meu arquivo escrito é válido. Mas agora tenho certeza que minha viagem foi inesquecível. Aquilo que realmente importou está gravado em mim para sempre. A visão de certas paisagens enquanto o ônibus corria e os sentimentos da beleza percebida são marcas que reconheço em outras paisagens e outros momentos de êxtase. E que por mais que eu conte, falando ou escrevendo, será impossível reproduzi-las. São minhas, só minhas e ao querer transformá-las em palavras para que o outro sinta a mesma emoção que senti, o mesmo abrasamento, estou realizando uma tarefa vã, vulgarizando aquilo que para mim foi sublime. Para os outros serão apenas palavras que ouvirão com meio ouvido, lerão com olhos vagantes e de forma nenhuma poderá atingir a sua alma e ao seu espírito da mesma maneira que me atingiram. Porque eu vivi . E por mais que eu ame as palavras sei que elas nunca poderão exprimir certos momentos da vida. 24/01/2010



21 - Da série: De trás pra frente ou de frente pra trás tanto faz, leia como lhe apraz (livro de crônicas em construção)