SETE MINUTOS
Hoje acordei insuportavelmente mal-humorado. Não sei o que aconteceu, devo ter sonhado outra vez com laguma coisa que, nem no mundo dos sonhos, fez algum sentido e isso me deixa profundamente irritado, com aquela sensação de tempo perdido, dessas que geralmente sinto quando durmo a noite.
Bukowski me convida mas ele parece um adolecente feliz num parque de diversão desordenadamente colorido; Schopenhauer passa em direção ao meu banheiro mas ele parece patetico " hey, schopen! não vá sujar meu banheiro e quando voltar me diga alguma coisa que eu já não saiba ou então procura outra casa pra morar!" exclamo enquanto Dostoiévski abre uma garrafa de whisky, põe uma dose, a toma e segue olhando para o chão. Camus olha pela janela ( por isso que gosto deles: decadentes e longíquos como eu).
" vou escrever" penso, mas tem que ser rápido porque o cigarro tá apagando e sujando o cinzeiro que comprei num antiquario ( só hoje, ele não vale nada pra mim, mas amanhã com toda certeza vou dar um polimento nele pra sujar denovo..acho que faço como os objetos oque queria fazer comigo mesmo) e é meu ultimo cigarro...e está pela metade já e eu escrevendo algo pra ninguém.
Meus olhos correm de lá-para-cá entre o teclado onde busco as letras pra explicar o que sinto (sem ter nenhuma, mas nenhuma razão específica para isso) e o cigarro que já passa da metade.
Olho para a parede e vejo esboços e desenhos meus que, logicamente, hoje são as coisas mais bizarras e sem sentido que alguém poderia ter feito. Me lembro que dizem " oh, mas são magnificos!", eu enfiaria eles na goela de quem dissesse isso hoje.
olho de soslaio para uma Foto de Bresson pendurada na parede e o menino da foto me parece ligeiramente mais feliz que eu mas ele não me engana, no fundo devia estar triste por não ter mais aquela bola que furou e agora volta para casa com duas garrafas de vinho deixando o olhar de uma garotinha que , HOJE, penso que pensou na hora que o oturador fechou " que moleque mais doido!"...enfim, ele perdeu sua bola, foi obrigado a comprar vinho. Eu deixei escapar o amor e sou obrigado a...escrever? Me poupem, faço isso porque...não sei! faço e não me façam perguntas.
Só hoje deixem que Renoir seja cinza, Modigliani um sonhador barato, Godard um louco de pedra, Picasso um grande ladrão, a anoitecer seja vazio, tão vazio que não traga saudades nenhuma e o amor uma coisa repudiável...
O cigarro apagou, meu ultimo cigarro apagou e ele não durou ,como dizem, sete minutos,agora terei que caminhar sem fumar. Meu mal-humor duplicou.