O MEU XANGRILÁ




Minha casa foi chamada de Xangrilá. Não conheço a grafia nem a origem da palavra oriental mas, como a pronuncio desta forma, achei a grafia que correspondesse ao som. Eu a ouvi pela primeira vez em um filme, em preto e branco. Bem mais tarde, a segunda versão em cores, se chamava “Horizonte perdido”, com Peter Finch. É a história de um jornalista inglês e cobria a guerra na Indochina. Ele estava no meio a um fogo cruzado, junto com outros europeus e se preparavam para fugir da região do combate. Alguns dos europeus, como este homem e seu irmão, foram colocados em um avião que logo decolou. Em certa altura da viagem, há uma pane, mas o piloto consegue pousá-lo, no meio da neve, num lugar cercado por altas montanhas. No acidente muitos dos passageiros sobrevivem. Há alguns mantimentos, agasalhos, e o interior da aeronave ainda guarda uma temperatura 30 graus mais alta que a do exterior. Logo anoitece. Não há rádio, nem eles sabem a localização da queda do avião. Depois de um certo tempo percebem na escuridão tochas e vários homens caminhando em direção a eles. Trazem peles em uma das mãos e a luz na outra. Os monges, que se apresentam em perfeito inglês, os convidam a segui-los para um lugar seguro. Caminham com dificuldade na neve fofa, afundando os pés até a altura dos joelhos. Por este motivo caminham lentamente, dificultados também pelos agasalhos pesados. Finalmente chegam à entrada de uma gruta. A temperatura ambiente não é mais gelada. Atravessam, em silêncio, a penumbra da caverna e chegam à outra entrada, onde um sol radiante ilumina uma paisagem de sonho. As montanhas são forradas de uma relva verde, salpicada de flores, dos mais variados tons e matizes. Homens, mulheres e crianças, com roupas leves, mantêm uma rotina de trabalho, conversando ou cantando alegremente. É o paraíso na terra.
Lá, em Xangrilá, não há doença ou morte. Nem mesmo a mais leve desavença ou briga. Tudo é harmonia. A história continua misteriosamente, sem muitas explicações. O interessante, para mim, é a reação de cada um dos personagens resgatados, diante de tanta graça e abundância. Uns cobiçam as pepitas de ouro vistas como pedrinhas, no caminho até o mosteiro principal, onde está o fundador da cidade. Outros apreciam a beleza e a juventude das mulheres. Se interessam em levá-las consigo, quando forem embora. O médico do grupo fica fascinado com as ervas e ungüentos preparados em um pequeno laboratório. Todos pensam no usufruto e lucro, quando saírem dali. Todos, menos o jornalista, razão e motivo pelo qual, todos foram levados àquele lugar. Apesar se estar encantado com tudo, acaba persuadido pelos demais, e solicita dos monges que entrem em contato com o mundo exterior para sejam resgatados. De uma forma ou de outra, eles voltam às regiões nevadas, em busca de uma aldeia no Nepal, Um a um, todos vão morrendo nas avalanches, despenhadeiros, brigas, etc. Todos, menos o nosso herói que, finalmente, é encontrado, desmaiado na neve, por um grupo de alpinistas. Ele é levado a um hospital e encaminhado a Londres, para a recuperação total. Quando fica bom, nada o satisfaz. Assim que consegue se desvencilhar da imprensa, volta à aldeia de o levaram sem sentidos. Neste local tenta se lembrar dos marcos, naquela imensidão branca, até que enxerga a entrada da gruta. Atravessa o espaço entre o nada e o tudo, e encontra a jovem professora, que esperava por ele no outro lado. Os dois vivem felizes para sempre, no seu Xangrilá.
Assim é a minha casa. Deixei o mundo agressivo e meio desértico do areal do Rio de Janeiro e vim para o paraíso de Petrópolis. O canto dos pássaros me acorda ao alvorecer. Da mesma forma me avisam da hora da Ave-Maria pela algazarra que fazem. São como crianças, na hora do recreio. No verão, um calorzinho agradável e, no inverno, o friozinho que nos faz desejar um chocolate bem quente, ou um bom vinho acompanhado de queijo. Aqui as horas ecoam mais lentamente, sem a correria da grande metrópole. Quando vejo nos noticiários os longos engarrafamentos nas avenidas principais, mais contente eu fico em não estar lá.

Petrópolis, 26 de janeiro de 2010
Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 26/01/2010
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