A FILOSOFIA NO CÁRCERE
Hoje eu fui a penitenciária agrícola Dr. Mário Negócio. Não, não se preocupem. Não cometi nenhum crime, pelo menos não nenhum que seja passível de pena. Fui assistir ao encerramento do programa desenvolvido pelo FILOSOFARTE junto aos apenados daquela casa de detenção.
Estavam lá o Secretário Estadual de Segurança, Reitor e Pró-Reitores, Diretores dos Presídios Estadual e Federal, Juiz, Promotor, a imprensa e, claro, os envolvidos no projeto: monitores, coordenadores, os apenados e suas famílias.
Foi uma manhã atípica. Homens “livres” e “prisioneiros” juntos, dividindo o mesmo espaço, compartilhando um momento onde foi possível perceber que a Filosofia pode sair do conceito, da abstração e se tornar instrumento de integração.
Foi emocionante ver o brilho de alegria nos olhos da Professora Vera, idealizadora deste projeto audacioso, de levar a Filosofia para além das discussões acadêmicas e aproximá-la da árdua realidade de um presídio. Alguns ainda discutem se isto é ou não filosofia.
Creio que a resposta estava no olhar daqueles que se descobriram capazes de aprender a pensar através da arte, que usaram a música para falar de seus sonhos, que descobriram que ética não é uma disciplina ensinada na faculdade, mas uma construção social possível a cada cidadão, em qualquer ambiente que ele viva.
Aqueles homens não foram “transformados” pela filosofia, suas vidas ainda estão “marcadas” pelos crimes que cometeram, pelo mau uso que fizeram de sua liberdade, de seus direitos – são pessoas “recortadas” de tantas formas que já nem sabem se um dia voltarão a ser inteiras –, mesmo assim se dispuseram a aprender novas formas de entender a vida, o mundo, as pessoas...
Pessoas que sabem que muita coisa poderia ter sido diferente. Muito sangue poderia ter sido evitado. Muitas vidas poderiam ter sido poupadas. Sabem que lá fora a fome continua sendo o prato principal de muitos cardápios e que a escassez de vida e sonhos continua sendo semeadas pelo mundo, que muitos sonhos foram desfeitos em consequência de seus atos, muitas fantasias foram enterradas, mas, mesmo assim tem direito a lutar por uma vida digna.
Confesso que resisti em aceitar o convite. Medo. Covardia. Sei lá o nome que isso tem. Chegando lá fiquei surpresa com o clima descontraído e me peguei pensando em como a vida é cheia de recortes. Naquele ambiente festivo ninguém parecia oferecer nenhum perigo. O olhar dos apenados era tão inofensivo quanto o de qualquer outro ali presente.
O que desperta a fera que há no homem? Será que um dia domaremos nossa natureza animal e aprenderemos a viver como irmãos? Será que um dia o homem deixará de ser seu maior predador?
Sai de lá cheia de perguntas e acreditando que Aristóteles estava certo em sua argumentação sobre ato e potência.
Mesa das autoridades