O CELULAR DE VERDADE
Com apenas seis anos de idade, seu presente de aniversário foi um celular. Os pais, ávidos por mostrar aos convidados o grau de disposição financeira que tinham, disseram que o filho era mais um na lista dos bilhões de seres da aldeia global consumista que tinha um telefone, com a diferença de que aquele possuía: câmera, rádio am/fm, computador, sistema de alarme, televisão e até um captador de frequência policial, para brincar de saber o que polícia andava fazendo. E, para fechar a fala como é ordinário no mundo da droga capitalista, disseram quanto custou.
Zinho, que era o sufixo diminutivo do nome do filho, também ganhou outros presentes, entre eles um aquário com dois lindos e assustados peixinhos vermelhos, para que a sensibilidade do aniversariante não se voltasse para questões vagas, que não produziam bens de nenhum valor material como a causa ambiental.
Outra caixa bem decorada despertava a curiosidade do menino. Pelo tamanho, deveria ser algo caro. Era de um amigo da família, gerente de um banco. Lá dentro, uma linda metralhadora, cópia fiel daquelas que os traficantes usam nas guerrilhas. Parecia tanto que o pai foi até o quintal testar, mirando na cabeça do cachorro para sentir se não era de verdade.
Teve também gaiola com uma triste arara vermelha contrabandeada do Pantanal. O autor do presente disse, com sorriso aberto, que aquela ave havia sido a mais resistente de todas, pois, de quase 50 trazidas em caixas de papelão com pouquíssima ventilação, no fundo do porta-malas do carro, apenas ela sobreviveu.
Entregou ao garoto e pediu para valorizar, pois daqui a pouco tempo não haverá mais nenhuma nas matas... Ainda acrescentou que as outras eram tão coloridas que pareciam roupa de carnaval. Ninguém lamentou as mortes.
A mãe do garoto fez questão de mostrar um livro jogado no chão e pisoteado pelos convidados. Era uma lembrancinha da professora, mas quem iria perder tempo lendo O Pequeno Príncipe? Se o celular estava no bolso e a metralhadora nas costas, na hora de soprar as velinhas um slide com fotos de Zinho mostra momentos marcantes na visão dos pais, entre eles o dia em que o pai deixou que ele comprasse o que lhe desse vontade com seu cartão de crédito, em um shopping. Também gostaram de uma foto em que ele se vestiu de neo-nazista e estendia o braço em adoração ao Furer do terceiro Heich.
O celular tinha créditos e a brincadeira foi de passar trotes: polícia, bombeiros e Samu eram as principais vitimas. Reuniu a turma da mesma faixa de idade e foram para o quarto de presentes, trocando mensagens, enviando para as coleguinhas que tinham o aparelho, e ameaçando com voz disfarçada.
Cada um dos mais experientes contava suas façanhas que o celular já promoveu, um chama todos a volta e mostra a foto da irmã mais velha nua, os olhares encabulados silenciam a algazarra para o fato que era o máximo, pelo menos até outro dizer que também tinha a irmã pelada no telefone e a roda se faz em torno dele, a observação é que esta não tinha cabelos alí naquela região como a outra, e os peitos eram muito pequenos. Mas ainda viria o acontecimento da noite. Lá na sala os pais falavam de negócios e tomavam uísque.
Um dos mais velhos que se aproximava de oito anos, disse que nenhuma foto se comparava ao vídeo que fizera escondido no quarto dos pais, a mãe nua cavalgava sobre o pai e por quase 02 minutos os olhares se perderam naquelas imagens. Mas não foi novidade para ninguém já que a maioria já havia presenciado em suas respectivas casas.
E foram brincar de bandidos. Zinho era o dono da arma que matava todo mundo... no final da brincadeira os peixinhos haviam sido asfixiados, a Arara Vermelha jogada para o pitbul e o livro no cesto de lixo com as folhas sujas que limparam o chão da cozinha, onde derramou Coca-Cola. E o celular no bolso recebendo torpedos da operadora, nas costas a grande metralhadora era o orgulho do pai do aniversariante.
Muitos anos de vida!