...QUALQUER SEMELHANÇA...
Em 1889, seu bisavô juntou todas as economias e comprou uma chacrinha de três mil metros quadrados MUITO LONGE DA CIDADE. Ia lá a cavalo todo fim de semana plantar uns pés de mandioca e um “milhozinho” pra fazer pamonha. Plantou também uns minúsculos pés de jabuticaba.
Em 1930 seu avô cercou esse terreno, que ERA UM POUCO LONGE do centro da cidade e todo fim de semana ia lá no seu “Fordinho Bigode”colher frutas.
Naquela época iniciou a construção, ele mesmo, tijolo por tijolo, de uma casa para passar o fim de semana. Levava sempre seu pai, ainda garoto, para ajudá-lo na obra e chupar jabuticabas no pé.
Em 1955, com a morte de seu avô, seu pai, com muito sacrifício, terminou a construção da casa; murou; construiu um portão; e fez um belo jardim onde se destacavam generosas jabuticabeiras.
Casou-se e foi morar lá, já que a residência NÃO ERA TÃO LONGE ASSIM da cidade.
Foi lá você nasceu.
Quando começou a frequentar a escola, você morava numa bela mansão PERTO DO CENTRO DA CIDADE.
Tinha até um bonde que passava na porta.
Seu pai te deixou essa casa de herança; você se casou e continuou morando nela com mulher e tiveram dois filhos. Seus moleques cresceram brincando entre as velhas e ainda produtivas jabuticabeiras.
A casa era sólida, grande e confortável, mas havia um problema. Dava muito trabalho.
Sua mulher não cuidava direito, coitada, ela não tinha muita aptidão pra dona-de-casa. Você contratou um jardineiro que não entendia de jardinagem. Você nunca fazia manutenção preventiva. Preferiu comprar uma enorme TV LCD em vez de consertar o telhado e uma goteira queimou a TV novinha, o que te deixou fulo da vida e até com raiva da casa.
Até que certo dia, alguns anos atrás, um amigo trouxe um empresário e os dois fizeram uma proposta tentadora. Comprariam sua casa por cem mil reais e você continuaria morando nela pagando um aluguel baratinho; mil reais por mês durante o primeiro ano com uma complicada fórmula de reajuste para os anos seguintes.
Como a despesa mensal de sua casa beirava os cinco mil, você achou que seria uma boa proposta. Afinal a manutenção passaria a ser do proprietário e você não teria mais que se preocupar.
Você ficou até chateado quando soube que seu amigo levou cinquenta mil para ajudar a convencê-lo a fazer o negócio, mas pensou que negócios são negócios, fazer o que? Além do mais a casa não tinha custado nada para você mesmo.
Você se esqueceu, entretanto, que além do aluguel, deveria arcar ainda com as despesas de água, luz, IPTU, etc. etc. Ah!... tinha ainda a TV a cabo que o proprietário mandou instalar sem te consultar e você deveria pagar mensalmente.
Tudo bem; isso ficaria em princípio por uns quatro mil e sairia quase que elas por elas, aliás, até um pouco mais barato, e você continuaria morando QUASE NO CENTRO DA CIDADE.
Com o dinheiro da venda, você fez a tão sonhada viagem de um mês à Europa, deu um carro zerinho ao filho e fez uma festa de arromba de quinze anos para a filha.
Não só acabou com o dinheirinho como teve de fazer um empréstimo. O senhorio, dono da casa, era também banqueiro e te emprestou o dinheiro a juros mais ou menos baixos.
Durante a sua viagem, o proprietário arrancou as jabuticabeiras e em seu lugar construiu um enorme estacionamento. Você ficou com apenas um corredor para chegar à casa e ainda tinha de pagar para estacionar os três carros da família.
O aluguel, segundo a fórmula de cálculo que você não havia entendido direito, em pouco mais de três anos triplicou. Tinha ainda o aluguel do estacionamento, despesas de água, luz, IPTU, TV a cabo, internet, seguro, taxa de incêndio criada recentemente e um seguro de garantia de aluguel, exigida pelo proprietário. O total mensal que já ultrapassava os dez mil levava praticamente todo o seu salário.
Com o Metrô passando na porta, a área está hoje localizada na PARTE MAIS NOBRE DA CIDADE.
Uma grande empreiteira multinacional finalmente comprou a propriedade. Pretende derrubar a casa e em seu lugar construir um belo complexo residencial de alto luxo.
Para desocupar a empresa te ofereceu duas opções:
A. Aluguel mensal de um dos apartamentos a serem construídos por apenas 2.500 Euros durante os seis primeiros meses com uma complicadíssima fórmula de reajuste.
B. Prioridade na escolha de um apartamento de cem metros quadrados por apenas 18.518,00 Euros o metro quadrado, ou seja, praticamente metade do preço que ela cobra em Cingapura e Nova York...uma pechincha...só porque você é o morador mais antigo da região.
QUALQUER SEMELHANÇA COM AS PRIVATIZAÇÕES NÃO É MERA CONCIDÊNCIA