O que Nietzsche não disse



Eu era muito jovem quando me deparei, pela primeira vez, com uma das mais conhecidas declarações de Nietzcshe: “Deus está morto”! Na época isso me deixou aturdido e, depois disso, levei muito tempo para entender o que ele de fato queria dizer. Agora, que já estou bem para lá da meia idade, não ouso anunciar que compreendi plenamente o filósofo, mas arriscaria trocar uns dedos de prosa com ele, se fosse possível. Acho que teríamos muito por conversar.

Afinal, que Deus é esse que andam falando por aí?

Seria Ele o Deus que é avalista e fiador dessa legião de fariseus do terceiro milênio, que fica pelas madrugadas, com livros sagrados em punho, conclamando os infelizes, pela televisão ou em templos instalados como pontos comerciais, para que entreguem seu último ceitil de forma a engordar suas vergonhosas contas bancárias?

Talvez seja Ele aquele Deus secular que vem patrocinando o extermínio de povos e idéias pelos quatro cantos do mundo, dando azo à fundação de tantas igrejas, que proclamam tantas crenças, que se desdobram em tantos amores discutíveis, que não trazem nada de concretamente amoroso para o mundo. Umas abrigam com pompa e riqueza a hipocrisia deslavada, outras formam fanáticos assassinos e outras tantas simplesmente induzem ao abandono do que de fato seja nobre com a promessa de uma iluminação egoísta que não favorece o bem do próximo.

Ah! Já me associei a homens probos, filantropos contumazes, donos de um discurso com palavras tão nobres, mas que se sustentam mercê da corrupção e da mentira. Ah! Já dividi momentos com mulheres com uma singeleza de postura e com traços de caráter aparentemente inspiradores, mas que longe de audiência pública, dizem e fazem coisas que fariam corar estivadores embriagados num botequim qualquer. Tanto estas como aqueles, trazem Deus na boca o tempo todo. Seria esse o Deus a quem tanto procurei?

Confesso que seria muito mais simples eu me declarar ateu ou agnóstico, pois isso traria uma certa consistência em minhas palavras e não denunciaria tantas contradições em minhas atitudes. Mas não sou covarde a esse ponto. Por ambíguo que eu possa parecer, não tenho duas caras. Sou imperfeito por qualquer ângulo que me apresente.

A Nietzsche eu diria, sim, que creio em Deus, seja lá como for. O que morreu – se é que algum dia já esteve vivo – é o sentido do que Deus deveria representar na vida de cada um. Se é bem verdade que não tenho nenhum testemunho pessoal que confirme uma mão divina e salvadora em minha vida, também não é menos verdade que, quando me perdi, o fiz por meus próprios passos. É bom que Deus exista! Porque só pode ser Ele que me dá, todos os dias, uma nova chance para que eu acerte. Os homens jamais o fariam e o acaso, por aleatório que possa parecer, não comportaria uma probabilidade tão absurda.

Por isso, dada a falsidade que existe neste mundo, não creio no Deus de mais ninguém. Cada um que procure o seu, porque o meu eu resguardo a sete chaves.

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