DIÁRIO EM TERCEIRA PESSOA
DIÁRIO EM TERCEIRA PESSOA
Hoje o dia começou mais tarde. Não que tudo fora noite. Na verdade, para ele não houvera. Perdeu-se em meio ao cansaço e ao desejo que não tomava conta de si há muito. Parecia, por vezes, que já duvidava da possibilidade de sentir por instantes aquela paz tão almejada, mas que somente os otimistas esperam encontrar enquanto vivos. Então, após tanto tempo sem demonstrar vida nas profundezas do inconsciente, tomara-lhe de súbito uma tranquila e complicada projeção da realidade. Realidade de quem? Talvez sua propriamente, ou de outrem. Mas o interessante é que voltava a sonhar após tantos dias de deserta imaginação.
Ele sonha com um lugar silencioso por demais. A imagem não lhe vinha com nitidez. Apenas tinha por si que haveria por ali um rio, mas seus sentidos não lhe alcançavam de maneira tão contemplativa. Do rio ás margens, um canto quase imperceptível. Quase não ouviu som. Mas, sabia que havia por cantar nele, não muito longe, uma bela Sereia (ou Iara, em se tratando de tão doces águas). Encantado por tão serena toada, seguiu por entre a margem em meio às pedras. No entanto, nunca se movia. Por vezes, parecera até retroceder-se. O que é comum em sonhos tão agradáveis. Não que seja bom sonhar assim. Mas, a sensação de não alcançar tão cobiçado fim sucumbe ao prazer indizível causado pela expectativa. E pelo mistério, apesar de já saber ser uma mulher que cantava. Mas, desejava então ir além. Buscar a luz de seus sonhos. Incessantemente até a derrota inevitável. Esta que nunca se faz por completo. Sempre interrompida pelo misterioso e genial acordar. Momento este que ousaria chamar de interlúdio. Visto se tratar de dois momentos tão sublimes quanto uma canção.
Porém, quanto a isso, a cada um cabe o seu juízo. Para ele foi um grande sonho. Como há muito não tivera. Talvez haja uma ligação de seus sonhos com seus desejos. Ou fosse o contrário, talvez. Mas, já não importa tanto quando comparado á um dos maiores prazeres da vida: Simplesmente sonhar.