UMA PASSAGEM DE VOLTA

Domingo, 14 horas. A campainha toca e, eu como opção única, já que todos haviam saído, vou atender. Olho antes, como de praxe, pela janelinha do portão e vejo um senhor de boné, beirando os quarenta anos. Ao ver-me, através da vigia entreaberta, diz: “posso dar uma palavrinha com o senhor?”. Digo que sim e ele começa contando que é trabalhador desempregado, veio do interior a procura de um “biscaite” e faz dois dias que não come nada, além do que lhe dão. Em seguida, afirma que só quer uma ajuda financeira para comprar uma passagem de volta para a cidade de João Câmara, pois é lá que reside. Tendo ouvido a última referência ponho-me a pensar: por que quase todas as pessoas que contam essa história dizem que querem a mesma ajuda e o destino é semelhante? Em mais de 27 anos recebendo aquela justificativa, dada por pessoas diferentes, dá para imaginar a população que teria João Câmara, um município distando 70 Km de Natal-RN e com pouco mais de 30.000 habitantes, segundo o senso oficial. Sou despertado do meu devaneio, pela voz vinda do lado de fora: “e aí, vai me ajudar?”. Peço que espere um momento e volto rapidamente trazendo R$ 0,50 que passo para o solicitante. Após receber a moeda, o senhor reclama: “isso aqui não dá para a passagem; ela custa mais de R$ 3,00”. Com minha paciência galopando cada vez mais para longe e sendo reduzida na medida do afastamento, finalizo a conversa: o que falta para completar, eu sugiro que o senhor peça nas outras casas, se é que a primeira a ser visitada foi a minha.