HOJE MORREU UM VALENTE
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Não estou dando conta de acompanhar e escrever sobre os acontecimentos que me influenciam a derredor. Seria o tempo indo muito rápido ou eu é que estou muito lerda, não sei. Em suma, faço bonecos e mais bonecos para terminar depois. Mas hoje vou até o fim com este falacioso desapego, principalmente se meu “mate” literário Malta vier em meu socorro.
Morte é, no mundo que me rodeia, coisa proibida e até meio ilícita de se falar a respeito. Mas hoje morreu um Valente e pela primeira vez toquei em um defunto enquanto pedia aos Deuses que o recebessem onde quer que ele vá. Não experimentei qualquer sentimento de pesar. Na verdade, sentia uma sensação de cumprimento do dever; não dever meu, já que o vi uns pares de vezes e a única ligação minha com ele esteve nas cartas de baralho que costumo jogar as quintas-feiras com a sua filha e outras órfãs. Pensava no dever dos que por aqui ficaram preocupados com todo aquele aparato para que os vivos não julguem seus status, se baseando no velório daquele patriarca. O “não dar o que falar” me pareceu mais enraizado do que os últimos anos daquele senhor sozinho e sem amigos que passava seus dias entre a cama e as fraldas.
Detesto velórios. O primeiro e último que fui foi o de minha mãe há 15 anos. É estranho que, comparando o número de convites para festas, casamentos e outras farras, com os para velórios, estes sejam de longe muito maiores. Logo que alguém morre há sempre alguém correndo para dar a notícia. Há sempre um desocupado mórbido correndo para ser o primeiro a dar a notícia. Fulano morreu! A conversa começa com assuntos banais, com um quê de interpretação na voz, para ao final dizer: fulano morreu, o velório é em tal lugar a partir das..., e o enterro será às.... Por que não nos chamam com a mesma demência e mendicância para as farras e festas? Ainda não entendi.
Odeio velórios. Minha falta de experiência hoje me conduziu a ficar ali fazendo análises sobre tudo aquilo que me parecia, na verdade, tosco. Pensava no resultado/conseqüência espiritual de se ser cremado ou enterrado. Pensava nas diferentes culturas e a falta de espaço nos nossos dias. Só pensava, mesmo que rapidamente. Aquele caro caixão será, provavelmente, retirado antes da cremação e revendido. Pensava novamente em falácias. Aquele que um dia foi vivo e escreveu livros e poemas, que se quer me lembro, e esta não seria a melhor hora para descobrir, estava ali aos seus 97 anos com uma única corbeille estampando em dourado uma dedicatória de seus dois netos e única filha natural. Inevitávelmente pensei no seu próximo título: VALENTE, Décio, “Cinzas” - narrado de sua nova camarinha.
$oaroir Maria de Campos
21/07/2006