Olha a noiva!
Série Pequenas Histórias Encantadas - 22
Série Pequenas Histórias Encantadas - 22
Já estava com oito anos e ainda não tinha feito a primeira comunhão. Não havia padre na cidadezinha a não ser uma vez por mês. E não se sabe a razão, a mãe,que nem praticava a religião, decidiu que ela tinha que fazer a primeira comunhão. Então, enviou-a com a avó, para a casa da irmã, na cidade grande. Mas antes, levou-a ao cabeleireiro para fazer permanente.
Na cidade grande, que nem era tão grande assim, fizeram-se os ajustes necessários. Um vestido branco, comprido, feito pela prima, modista famosa, para a primeira comunhão. Um solidéu com véu. Um ramalhete de flores brancas. O livro, guardado até hoje e o terço nas mãos.
Foi uma semana perfeita. Brincou com os primos, foi ao cinema pela primeira vez. Cine Municipal. Anos mais tarde ao se mudar para a cidade, de mala e cuia, descobriu que o cinema não existia mais. Era um antigo teatro, demolido para dar lugar a um hotel que nunca foi construído. Era uma réplica do Scala de Milão. Foi ao chão e simplesmente se transformou em um terreno baldio, por muitos anos. Hoje é um edifício comercial.
O primeiro vexame aconteceu na hora da confissão. O padre falava tão baixo que ela nem ouvia. Depois de desfiar seu rosário de pecados mortais simplesmente levantou-se e saiu pela igreja afora, cheia de gente. Hora de missa. O padre saiu do confessionário e mandou alguém atrás dela. Ainda não tinha dado a absolvição. Todo mundo ficou olhando a grande pecadora de cabelos cacheados voltar cabisbaixa para ouvir sua pena.
O segundo vexame se deu no dia seguinte. Desceu a pé para a Igreja, vestida de branco da cabeça aos pés. Na janela uma menina gorda começou a gritar: Olha a noiva, gente. Olha a noiva! Ela olhou para cima e retribuiu, mas só mexendo com os lábios que era para a avó e a tia não ouvirem: Sapa. Olha a sapa. Depois foi para a Igreja certa de que iria cometer sacrilégio: ia comungar estando em pecado mortal. Não tinha outro jeito, não podia confessar de novo, nem deixar de comungar. Foi seu primeiro grande acordo com Deus: pediu perdão a Ele e garantiu que assim que pudesse, confessaria de novo e contaria seu grande pecado.