Silêncio! Já vai começar...
Final do ano. Sala de aula. Vista de prova. Uma professora havia reprovado 80% dos alunos da classe. Sem massagem. Destes, 70% estavam desesperados pedindo nota, 05% já haviam ido viajar. Quanto a mim, bom, eu estava parada em frente à porta, me perguntado por que é que aquelas garotas não paravam de chorar. Confesso que senti prazer com isso. A mais afoita havia dispensado os bons modos, e a cadeira, sentando-se no degrau da sala, ficando aos pés da mesa da professora. Eu? Fiquei parada como uma idiota, procurando pelos 05% restantes.
Tal como eu, a professora facínora parecia estar pouco se fodendo para com as meninas que tanto choravam. Entretanto, ela não aparentava estar sentindo prazer com isso. Não. Ela faz parte daquelas pessoas que te fodem por ofício. Um pau na bunda funcional. “É o meu dever, senhor. Estou aqui para fodê-lo”. Resolvi sair da frente da porta. A sala estava terrivelmente clara. Estávamos com falta de figurantes.
Devidamente acomodados em nossos respectivos lugares, era hora do show. Mais barato do que ir ao cinema. Mais rápido do que ler um livro. Mais divertido do que ficar em casa. Sempre era engraçado freqüentar vistas de provas.
“Eu poderia estar matando, eu poderia estar roubando – mas eu ainda não tenho OAB - então estou aqui pedindo!”
Falando em matar, não raro foram aqueles que “mataram” a mãe, pai, avó, avô, irmão, tios, primos… tudo para justificar o pífio desempenho na prova. Oh, Deus. Metade da cidade foi varrida do mapa. Onde eu estava? Perdi o genocídio! Lamentável... Pequenos burgueses odeiam atrasos! Vendo por esse lado, bem que eu suspeitava que houvesse alguma razão plausível para tios e primos existirem em grande quantidade e tamanha variedade. Em todo caso, na falta de parentes – não, a sogra não! – tem sempre aquela do cachorro.
Qualquer perfumaria parecia servir para tentar justificar o desempenho vergonhoso dos alunos perante tais abomináveis exigências burocráticas e formalistas, as comumente intituladas “Provas”.
“Professora! A senhora acredita que o meu gato/cachorro/cavalo/iguana comeu meu Código JUSTO nesse artigo?!”
Ah! Tudo na vida é uma questão de hermenêutica, não é mesmo? Então, veja bem… “Ora! Cadê a correção teleológica da prova? A finalidade do curso não é formar pessoas? Então! Fica mais fácil chegar ao final da faculdade sem a senhora atrapalhando!”
Eis então que um garoto sentado no fundo da classe – é, isso aí, sempre tem um filho da puta – levantou a voz, destoando do restante dos simpáticos suplicantes, e fez alguma pergunta que não constava na lista pré-selecionada da professora – peticionada em duas vias, autenticada em cartório, autorizada via despacho judicial – portanto não figurava na lista das possíveis respostas previamente imaginadas pela professora. Não estava em pauta, ela ficou puta.
Apenas um pouco da usual demonstração de como a destreza da arrogância hierárquica pode ser usada para disfarçar o vazio intelectual.
Comecei a olhar para a minha turma, procurando por alguém com mais ou menos a mesma expressão que a minha. Já estava me preparando para levantar, quando ouvi dois garotos conversando:
- E você, o que acha do Gilmar Mendes?
- Não gosto dele. Gordo e careca. Me lembra demais a mim mesmo…