Sons
Aleeeeeeeeeeex, Aleeeeeeeeeeeeeeeex!!!
O grito ecoava nas tardes mornas e preguiçosas da Barra, num tempo em que era possível ouvir os gritos das mães em busca dos filhos perdidos para a pelada em campinho de terra com trave de madeira ou para a pipa:
– bota outraaaaa !
Não havia tantos prédios. Dona Efigênia morava em um e conversava animadamente com as vizinhas que viviam nas casas térreas próximas ao seu sobrado.Lá de cima, quase sem querer, ostentava sua condição social de remediada!
Assim era a Barra. Os sons percorriam o bairro com uma liberdade inigualável. Ouviam-se longe as discussões em família, as palmadas em alguma criança travessa, o bater de roupas nas bordas dos tanques ou nas tábuas postas no quintal. Ouvia-se o rádio. Alto. Música para todos os gostos. E que gosto!
Havia também as serras das carpintarias portuguesas ou espanholas. Bairro cheio desses. A música espalhada pela torre da igreja todos os dias:
- Alô! Bom dia! Oi como vai você!... , o sino que quase nunca tocava. Os apitos avisando a hora. E principalmente o rotineiro susto com a explosão da pedreira. Sempre à mesma hora. Sempre assustador.
Outros sons percorriam o bairro nos fins de semana. Na verdade, as quintas-feiras tornavam-se um pouco diferentes e prenunciavam o movimento do fim –de- semana. Eram as festas. Começávamos a ouvir a agonia dos leitões que seriam preparados, as fofocas sobre o bolo a quantidade de docinhos e salgadinhos. Aumentavam as idas e vindas à costureira. Lá o barulho era outro: o farfalhar de tecidos, os gritos contidos com as alfinetadas , a máquina de costura... os últimos comentários sobre a festa. Se fosse casamento, ficávamos sabendo onde seria a Lua de mel, quem daria o quê de presente, que eram entregues na festa, e uma conversa entre os dentes sobre a noite de núpcias.
Na sexta, os homens começavam a estender um toldo no quintal da noiva, chegavam as mesas alugadas e os barris de chope. Festa boa tinha que ter barril de chope. Se possível vários deles. Também era dia de manicure e mais fofoca. À noite, testava-se o som e a animação ganhava o clímax. No sábado, as mulheres todas na casa da noiva ultimavam os preparativos: toalhas, arranjos, fatiavam a carne do pobre leitão e preparavam a maionese feita em casa e sem salmonela.
Feito, todas corriam para o salão. Era a vez dos cabelos. Risos cortavam à tarde de sábado. As mais atrasadas saíam correndo ostentando cabelo de festa e roupa do dia-a-dia. Mas as noivas sempre atrasavam...e então era o barulho dos brincos e colares sacudidos pelo movimento ansioso de pescoços preocupados, virando incessantemente para olhar a porta da igreja. Nestas horas, alguém sempre sabia de um noivo ou noiva que desistira no altar e a tensão crescia com o tilintar das bijus desesperadas. O noivo chegava. Alívio! A noiva. Felicidade geral! “Tá linda!” “O meu vestido eu não vou querer assim!” “Será que ela vai chorar?” “Ele não namorou fulana?” “Quem diria.?...”
A marcha encarregava-se de emudecer todas as vozes e o som tornava-se outro: um silêncio cheio de histórias para contar ecoava pela Barra.
Amém.