"...muito embora haja tantos desencontros!"

“... muito embora haja tantos desencontros!”

Theo Padilha

Nossa história começa na vila mais famosa do mundo. Vila Belmiro. Palco das melhores apresentações do Rei Pelé. Em Santos. O time peixeiro recebia um jogador da Paraíba. Fora contratado para ser o reserva imediato do famoso Edu. Ponteiro esquerdo que até hoje joga um belo futebol. Era o ano de 1973, ano em que o juiz Armando Marques comete uma gravíssima falta na decisão do Campeonato Paulista de Futebol, errando na contagem dos pênaltis. E o time do peixe teve que dividir com a Lusa o citado campeonato. O nome desse atleta é Dirceu.

Há mais de setecentos quilômetros dali vamos conhecer Marília. Moça bonita, filha de pais sitiantes, ou fazendeiros, como ali são chamados. Essa moça consegue um emprego na prefeitura como zeladora de escola. Estuda, passa de zeladora a secretária da escola. Estuda filosofia e cola grau nas matérias de Geografia e História. Matérias que depois ensina com mérito onde trabalha. E com o tempo acaba sendo diretora da mesma escola onde iniciara. Bela carreira.

Marília é bem casada com Walter, seu amigo de infância. E com ele tiveram um lindo casal de filhos. Lutaram muito na vida. Saíram da fazenda do pai de Marília e compraram o próprio sítio ao lado da escola. Viveram uma vida feliz. Sempre estavam juntinhos em todas as solenidades da pequena cidade de Estrela do Norte. Marília era uma diretora austera. Dessas que resolvia tudo. Dinâmica. Sempre bonita e bem humorada.

Dirceu vai jogar no interior do estado de São Paulo, depois que deixou o Santos. No Noroeste de Bauru. Um ano depois, volta para a Paraíba. A vida se torna cada vez mais difícil. As contusões quase acabam com o seu futebol. Ele já era casado e pai de um menino. Chega a passar fome no nordeste. Abandona a família e corre para o Paraná, lugar onde muitos jogadores acertaram seu final de carreira. Chega a Jacarezinho. Tenta fazer um contrato com o time dali. Não consegue. Era o ano de 2000. Parte para Curitiba. Volta para Santo Antonio da Platina, Joaquim Távora, e tem muitas promessas, mas nada consegue. Finalmente vai para Estrela do Norte e lá já tinha um amigo que havia prometido ajuda. O time do Estrela queria formar uma grande equipe. E Dirceu era a pessoa indicada para treinar o time.

Dirceu fixou ali sua residência. Como sempre, andava bem vestido. Com agasalhos dos clubes por onde passara. Não demorou muito para despertar a curiosidade daquelas caipirinhas de Estrela do Norte. Certa vez numa lanchonete ele é apresentado para a diretora da escola da zona rural. Marília. Que ficou encantada com as histórias do craque. Dirceu fala de sua vida.

— Em 73, num Santos e Corinthians, fui eu quem fingiu sofrer o pênalti quando o Santos perdia de um a zero. O juiz apitou. O Rei cobrou com paradinha e tudo e chegamos ao empate. Deu maior sururu na torcida do timão!

Dirceu falava para uma roda de amigos na lanchonete. Marília acabava de chegar da escola e ouvia atentamente, ela também gostava de futebol. E a figura daquele jogador acabou impressionando a diretora que já andava querendo mudar de ares. Ou de marido. Ela acabara de comprar um carro novo. E costumava sair sozinha. O marido andava muito ocupado com a colheita da soja. Quase não tinha tempo.

— Bem gente, já é tarde, amanhã temos treino, acho que vou para o hotel! - disse o jogador olhando bem nos olhos de Marília.

— Fique mais. Depois eu te levo! Eu tenho que passar por lá! – afirmou a senhora.

— Não! Não! Eu tenho que ir. Já são 23 horas! - reiterou o rapaz, pagando a conta e pedindo desculpas.

— Eu vou te levar! – Respondeu Marília, pagando sua conta e comprando uns chocolates para suas crianças. Ela estava só. Ela ainda lecionava a noite na cidade. E sempre chegava a casa lá pela meia-noite. Seu marido confiava cegamente na mulher.

Deram muitas risadas no pequeno trajeto. Haviam bebido algumas cervejas. E Marília tomou a iniciativa.

— Vamos dar mais uma voltinha?

—Não tem perigo para você?

—Fique tranqüilo, sei me comportar!

E foram até um campinho de futebol onde não havia nem uma luz acesa. E amor acabou acontecendo na mais pérfida forma. Loucamente se abraçaram e se entregaram. E se lambuzaram.

E continuaram se encontrando esporadicamente. A pequena cidade já comentava abertamente o caso. Walter ainda não sabia. Ou se sabia não tinha certeza. Ele confiava muito em Marília.

Certo dia foi a gota d água. Marília e Dirceu resolvem fugir. E fugiram para uma cidade próxima onde morava um amigo de Marília que era santista.

— Ainda bem que tem você aqui, Tadeu! – disse a mulher para o amigo.

— Tudo bem! Só tenho medo das consequências de tudo isso! Walter também é meu amigo, Marília! – respondeu Tadeu.

Tadeu era torcedor do alvinegro da vila e gostou de receber um jogador de seu time na sua casa. Conversaram muito sobre o seu Santos. Logo em seguida Dirceu pede licença e diz para Marília:

— Meu bem, me empreste o carro para eu ir até Santo Antonio ver se consigo contratar alguns atletas!

— Pode ir, Dirceu! Mas tenha cuidado, não demore!

Mas Dirceu desapareceu. As horas foram se passando e nada. Tadeu ligou várias vezes para o pessoal da Rádio que conhecia Dirceu, nada. Marília nervosa, meio arrependida não queria nem comer.

— Onde será que ele foi? Acho que vou voltar para casa! – resmungou a pobre mulher quase chorando...

De repente parou um carro, já era noitinha. Era ele. Não quiseram discutir na frente de Tadeu. Entraram no carro e voltaram para uma cidade próxima de onde ela veio. Esse amor não demorou muito. Walter pediu o divórcio e vive com os filhos. Marília foi lecionar em Curitiba. E Dirceu continua pelo país tentando enganar as pessoas. Como diria o poeta: “A vida é a arte do encontro, muito embora haja tantos desencontros pela vida!”

™ Copyright © by Theo Padilha® Joaquim Távora, 21 de novembro de 2009.

Theo Padilha
Enviado por Theo Padilha em 21/11/2009
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