As 3 mulheres e o Grão-Vizir

Hi negada,

Ainda acachapado pelas recentes notícias oriundas do Egrégio Senado da República, aqui estou para, uma vez mais, tentar engolir, digerir e fazer o uso que melhor entender das tão reconfortantes e singelas palavras, com as quais fomos recentemente brindados, pelos representantes do povo. Mas calma aí! Não quero soar hipócrita, ou paladino da ética e da moral, como tantos partidos(e militantes) se autoproclamam desde tempos imemorias. Quero apenas falar. Deixemos os canhões dormentes. Como veremos, é inútil.

Pois bem, este simplório pretendente a cronista viajava sacolejante e sonolento, internado que estava nas suntuosas instalações da serpente metálica articulada, conhecida por metrô, numa manhã de segunda-feira igualmente sonolenta e seca, acompanhado do luxuoso auxílio de um par de fones-de-ouvido e de um prestigiado semanário nacional, de grande tiragem. Aos que nunca tiveram a grata satisfação de utilizar os eficientíssimos serviços do trem metropolitano da Capital Federal, faz-se necessário informar que, das 6:00 às 8:00, é praticamente impossível subsistir ali dentro em estado gasoso, ainda mais em forma de gente, como formalmente costumamos nos apresentar. Sem falar na pontualidade germânica das composições, que, quando não estão completamente fora do “headway’(aprendi essa com um engenheiro do metrô), ou do intervalo máximo estipulado entre um trem e outro, como queiram, que deveria ser, àquele horário, de 5 minutos, (já esperei até 15!), tem o pernicioso hábito de se locomoverem a 10 por hora, por problemas(constantes) no fornecimento de energia elétrica.

Distraído que estava pelas aterrorizantes notícias apresentadas pela revista, dentre elas a mais imoral materialização do desrespeito à coisa pública, jamais vista em qualquer nação, a qualquer tempo, que foi a descoberta do matadouro do Agaciel, um espaço secreto(como os atos) localizado nos subterrâneos do Senado, onde o nobre diretor dispunha de frigobar, grandes sofás almofadados, mesa de reuniões(ou refeições), lençóis de cetim, sistema de som planejado e tv de lcd com dvd, no qual foi encontrada uma produção de cunho erótico-pornográfico, de nome “Tardes Molhadas”, fui atraído pela singela imagem de 3 mulheres. Avó, mãe e filha.

Uma menina, sua mãe e sua avó. Sacolas e mais sacolas plásticas de supermercado, cuja estampa denunciava a origem das três: Supermercado Tatico, muito provavelmente, Ceilândia. A menina, de pequena estatura, tez acobreada, cabelos armados, que seguramente tinha seus 3 aninhos, lutava. Sua refrega incansável tinha por objetivo retirar laranjas de uma das sacolas. A despeito da insuportável lotação do trem, queria tirar as laranjas, e fazê-las rolar pelo piso do vagão, quem sabe imaginando uma pista de corrida para os bólidos esféricos de que dispunha. Sua mãe, igualmente de baixa estatura, cabelos artificialmente tingidos de vários matizes, na tentativa frustrada de assemelhar-se a algo que lhe desse uma aparência menos cabocla, ralhava e batia insistentemente nos frágeis braços infantes, sem, no entanto, obter êxito em sua conduta. A menina persistia.

A senhora, que presumi ser a avó, seja pela aparência física, seja pela autoridade que gozava perante as demais, tinha o olhar cansado e resignado dos que, a certa altura da vida, desistiram. A menina parecia não incomodar-lhe, tanto mais a postura da mãe, que, apesar das ameças verbais e dos continuados tapas, não conseguia impor-se à inabalável vontade de sua filha. Os cabelos da senhora, cuja aparência ampliava a idade, que não deveria passar de 50, revelavam grandes raízes alvas, constratadas à tintura barata que, sem a devida renovação, acentuava-lhe a velhice precoce. Não usavam alianças. Nem ela, nem sua filha. Os homens fogem cedo. Alguns fogem para sempre.

Uma alma caridosa, ao perceber o constrangimento por que passavam, apiedou-se e cedeu-lhes o lugar, no que foi seguida pelo companheiro de banco azul. As mulheres sentaram e a menina acomodou-se no colo de sua mãe. As compras foram diligente e cuidadosamente colocadas, pelos outros passageiros, a seus pés. A menina, talvez embalada pelo leve sacolejar, talvez pelo ressoar contínuo e monótomo do atrito do aço contra o aço, aquietou-se. Quando percebi, ela me olhava.

Nos fones-de-ouvido, Zé Ramalho reverberava seu Chão de Giz. Nas páginas da revista, SirNey e seu tenebroso séquito perpetuavam seu corolário de práticas espúrias, enquanto todos assistíamos, inertes, ao horrendo desfile de descalabros. A menina me olhava.

Repentinamente me vi indignado, revoltoso, enojado. Como na música do renomado compositor e cantor paraibano, quis disparar balas de canhão, mas a menina me olhou, um olhar tão fundo que julguei estar despido, e, serena, com toda a ternura no olhar, pareceu querer dizer-me:

-E inútil, pois existe o Grão-Vizir.

E dormiu.