Os alienados

O relógio da catedral anunciava 18h30. Duas pessoas conversavam, aguardando o transporte que as levaria a suas casas, após cansativo dia de trabalho.

– Estou triste, amigo!

– Triste por que, homem de Deus?

– A Seleção Brasileira, com aquele futebol… O Ronaldo não é mais o mesmo. Está muito gordo.

– É verdade. Até o presidente da República fez referência à obesidade do jogador. Está pesando a décima parte de uma tonelada. Parece mais lutador de sumô.

Em um canto do abrigo de passageiros, os amigos Marcos e Marcondes esperavam o ônibus, falando de política, aborrecidos com os acontecimentos envolvendo parlamentares da base de sustentação do governo.

– Esses dois aí discutem as dificuldades da Seleção como se fosse o principal problema do Brasil – disse Marcos, apontando para os irritados torcedores.

– Não somos mesmo um país sério.

– Alguém já fez essa avaliação?

– Sim. Pessoa de reconhecida idoneidade moral e política.

– O brasileiro tem memória curta. Quase ninguém lembra as falcatruas do PT. São tantos os escândalos que seria impossível desconhecê-los.

– É verdade. E o “chefe da quadrilha” diz nunca ter ouvido falar de… – enquanto citava uma infinidade de ilicitudes atribuídas a integrantes do partido, Marcondes as contava nos dedos, constatando que faltara nas mãos a quantidade digital suficiente para chegar à metade do que ouvira dizer.

– Você está bem informado, amigo. Ninguém poderia desconhecer tantas denúncias, fartamente noticiadas pela mídia. É só o que se fala nos bares, restaurantes e até nas igrejas.

– O Lula é um enganador. Aproveita-se do povo ingênuo, miserável e inculto, vendido por alguns reais travestidos de “Bolsa-Esmola”.

– O presidente da República ainda será punido?

– Sim, com milhões de votos. Essa será a resposta do eleitor desmemoriado, ausente e irresponsável.

– Samba, futebol e “Bolsa-Esmola” substituem o circo e o pão de antigamente.

O alvoroço da multidão pôs fim à conversa.

– Aí vem nosso ônibus; sempre atrasado! – gritou alguém, cansado da espera desconfortável e revoltante.

Os dois amigos entraram no veículo apinhado de gente. Homens e mulheres viajavam em pé. No sacolejo do trânsito, rapazes ousados deixavam “suas partes” tocarem às das moças, que nada reclamavam.

– Eles só pensam “naquilo” – concluiu Marcondes, admirado do caráter irreverente de alguns passageiros.

Enquanto o ônibus transitava por ruas sujas e esburacadas, Marcondes refletia sobre a moral e a consciência política de seus compatriotas.