"Me acha Foda"

'Diz que me adora/ Que me acha f#da", é o que canta a roqueira baiana Pitty em alto e bom som ,e com esse refrão tem arrebatado milhares de fãs adolescentes.Não só adolescentes, pois arrebatou mais um: eu. Já ouvi essa música na sala de espera do dentista e, ninguém ali presente fez beiço, pareceu constrangido ou desconfortável ouvindo aquilo.Que contém um palavrão. Honestamente, não consigo achar vulgar.Pior é uma "amiga" escritora minha que tem uma bandinha e canta, a seu respeito, suponho: "Eu quero a minha fama em dinheiro". Só sei que, ao seu contrário, eu quero a minha em reconhecimento pelo meu talento.As palavras dela são uma ofensa.

A tradição mostrou-me até hoje que, sendo educado nas relações interpessoais e pessoais, você vai longe.Eu sou um rapaz, creio, meio "antiguinho", haja vista raramente eu usar gírias e palavrões no meu repertório habitual.Outro dia, uma amiga disse que eu falo como se estivesse lendo a folha de um texto escrito: tudo muito claro, pontuado, pausado.Capaz do interlocutor saber:"Nossa, agora ele usou reticências"!Também sou exaltado quando o assunto fica quente e interrogativo diante da pergunta."Jeito de escritor", disse ela.

Eu não assovio para chamar o garçom, não uso palito à mesa do restaurante, interrompo( um pouco) os outros quando dialogo, não furo fila, tenho medo de magoar as pessoas, peço licença , e agradeço com gosto quando realmente eu aprecio um esforço.Estaria a roqueira Pitty subvertendo regras ao cantar um palavrão?Há tempos atrás, sim.Imagine na época do Regime Militar:"Tratamento de choque para acabar com a subversão", decretou o Ministro Roberto Campos, naquele tempo.

Acontece que você pode dizer barbaridades com a maior sutileza e colocar um adversário seu no devido lugar dele.Podes fazer o uso da fina ironia e ridicularizar o teu vizinho que coloca o lixo de meias e chinelos Havaianas.Chegaram os tempos nos quais tudo, pode ser falado.Dependendo da ocasião, e para quem.Tive a paciência de ler mais de cem comentários relativos à tal música e todos são do teor: "ah, como é boa" e "que beleza de música".A cantora até me "fez sair" pela rua repetindo tal "absurdo"(!), e, sinceramente, aquilo não é um palavrão.Seja porque ela usa "f#da" dando a entender o seguinte: pô, diz que eu sou DEMAIS. Diz que eu sou MUITO BOA. INCRÍVEL.É no sentido de admiração, não de ofensa e muito menos puramente sexual, referindo-se ao ato propriamente em si, pornografia ou promiscuidade.A grosso modo, ela "pede" para que seu dono reconheça o valor do seu animal, o que leva-a ao extremo de usar uma palavra tida como de baixo calão.Foi no calor do momento, sabe?

O desejo de dizer um palavrão deve nascer da necessidade de contrastar com um ambiente hipócrita.Aquele habitado pelos que lhe dizem "Bom Dia" querendo lhe mandar p´raquele lugar.Esses, ao falar com falsidade, acham que assumiram compromisso com os "bons modos".Que usam dos bons modos.Com o porém de ninguém ser mais naive(ingênuo) para não entender que palavras meigas dita com uma cara feia são mentiras.O rosto de quem lhe dirigiu "um bom dia" indicava tudo, menos "que bom lhe ver hoje por aqui".E fazer parte desse coreto não ajuda.Você quer? Então fale um absurdo, só assuma a responsabilidade.

Não quer dizer que ser moderno e arrojado seja o palavrão um pré-requisito, mas vamos tirar as coisas de letra, cadê seu senso de humor? A vida não precisa ser tão dura. Nem você.Às vezes, um "nome feio"(como diz minha avó) torna a sua figura até mais humana, mostrando como você é de carne e osso: um ser suscetível que admite ter se frustrado.Que sua meta deu errada e ...que droga!

Também não podemos banalizar o palavrão e sempre fazer uso de palavras sexualizadas.Mas reparasse que elas, na fala cotidiana, acabam tendo o seu efeito diluído?Ao contrário da fala literária, onde ler uma palavra chocante, grita aos teus olhos.O palavrão está correto quando ele transmite a verdadeira emoção da situação.Ou Estão aí para impedirem toda uma descrição detalhada do ato de revolta, revide, dor, indignação, e seja lá mais o que for.Na hora da raiva, quando o copo de cristal cai no chão, quando a porta fecha no teu dedo mindinho,quando perdes a chave de casa,toma um tombo, você virá me dizer que diz:"ai, ai, alegria, alegria!"(???)Anteontem, eu estava de carro a 40 km/h, o sinal amarelo trocou para vermelho num piscar de olhos, tive que dar uma freada brusca, sacudindo todos que estavam comigo. E exclamei: "Que m#rda!".E você acha que foi só eu???

Gabriel Colombo
Enviado por Gabriel Colombo em 29/10/2009
Código do texto: T1894861
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