A dor de uma gata
Enternece-me quando ouço histórias de animais que são dedicados aos seus donos. E o contrário também acontece, sinto verdadeiro asco, quando ouço ou vejo um braço de homem maltratando um animal. Nesse momento chego a pensar: Há pessoas que não podem ser comparadas a animal.
Naquele dia não foi diferente. A morte chegou de surpresa, e seu dono foi colocado num caixão. Ninguém dava conta da gata, mas ela espiava por entre as cortinas, por debaixo das pernas dos estranhos que entravam e saiam, e que, por algum tempo sentavam nas cadeiras e ali ficavam conversando em voz baixa, alguns poucos chorando, outros cochilando.
Lá está ela, olhando tudo com aqueles olhos puxados, cor de mel. Seu pelo branco tem duas manchas cinza em cada lado próximo ao pescoço. Quando o fluxo de gente diminui, ela deita embaixo do caixão e ali fica. Parece dizer: Enquanto meu dono dorme, eu também dormito.
As horas passam, o dia vai mostrando sua cara, e a gata ali, de prontidão. Ninguém parece dá conta daquela presença, mas uma pessoa contempla tudo, e se comove. Uma criança. De repente, ela se agacha, olha a gata nos olhos, acaricia seu pescoço, e como se houvessem feito um pacto, ambas se levantam e seguem para o terraço. Mas pouco tempo depois a gata está de volta.
A viúva, como que em transe olha para a cena e não acredita no que está vendo. Ela diz: “Estou com pena da gata, desde que o caixão chegou que ela não sai dali. É como se ela soubesse...” Começa a chorar. A dor lhe é pesada, mas tem que ser forte... A hora da despedida está chegando, e, ela vai ter que se acostumar com a idéia de viver sem seu Antônio.
O carro da funerária chega. Fecha o caixão. Sai o cortejo. E a gata, quando ver seu dono sendo levado, a casa sendo fechada, dá um miado como se fosse um grito. As pessoas param. A viúva estremece. Sente o coração partido e compreende o sofrer do animal. Todos entram nos carros. Segue o cortejo em marcha lenta, como que tentando adiar o momento da separação. E a gata... Ela segue pela estrada de barro, dando seu miado sofrido, sem ninguém para lhe consolar. Ela sofre pela partida do seu dono, mas não tem quem lhe dê atenção.