Amigas



Cinco amigas. Há quantos anos? Umas mais, outras menos. Uma noite em que a chuva embala os sonhos e as conversas retidas pela ausência. Umas falam, outras ouvem, sempre foi assim. Complementaridade. A casa é de uma delas. Primeiro no grande sofá branco falam de si, mas principalmente dos seus. Uma delas não tem filhos – sentiu inveja das avós falando dos netos. Duas avós de primeira viagem. Elas ainda pensam que os delas são diferentes. Bom, eles são. Cada um é um. Mas todas as crianças de hoje são diferentes. Estão em um nível de evolução um passo a frente da geração passada. Dois passos da geração das avós. As que tem filhos mas ainda não têm netos, sonham. A que não tem filhos e nunca terá netos não se deixa abater: quem não tem cão caça com gato – sabem qual a última do filho de minha sobrinha ? Ele disse para a mãe: mãe, eu não sei por que mas não consigo parar de ler! E quando o assunto chega aos filhos ela também não se aperta. E fala da sobrinha, linda como uma princesa: Fabiana está indo para os EUA. Vai participar de uma competição, no MIT, em Boston, com um grupo de alunos da UNICAMP. Vão apresentar um trabalho. É o único grupo da América do Sul. É o primeiro grupo brasileiro que se apresenta nessa competição. Fabiana é cientista. Tem 22 anos e já faz mestrado na Unicamp. Está engajada em um trabalho de pesquisa realizado conjuntamente por pesquisadores da Unicamp e da Duke University. O trabalho que estão realizando foi publicado por uma revista da qual ela não se lembra o nome mas faz questão de realçar: ser publicado nela vale onze pontos não sei pra que. E o nome dela está em quarto lugar. A única amiga que se admira realmente é a cientista. Pesquisadora, trabalha com café. Ela compreende o valor dos onze pontos mais que a tia. As outras já estão envolvidas em seus próprios motivos de orgulho. A dona da casa diz que dependendo da aprovação no vestibular do único filho, vai embora, acompanhá-lo. "Deixar essa casa linda", é o que passa pela cabeça de todas. Mas lar não é a mesma coisa que casa. Lar é onde vive o amor. Se o amor vai embora da casa, essa perde o valor. Uma delas diz que está pensando também em morar perto de uma das filhas. Mas que agora ela vai mesmo é para o boteco, atrás do marido, que está com duas amigas. É impedida e obrigada a se sentar em volta da mesa de vidro com sousplat espelhados onde finas iguarias as esperam. Para serem saboreadas com refrigerantes diet. Ela vai, mas suspirando pela cerveja.  Quando o assunto resvala para críticas ao Presidente do seu País ele sai de fininho. Petista de carteirinha não vai ter como argumentar certos deslizes, embora nos tempos não muito distantes três delas fossem operárias da democracia e como formiguinhas faziam seu trabalho: de dia nas salas de aula, de noite organizando movimentos de rebeldia. Mas todas elas são engajadas. Mulheres deste tempo. Todo o tipo de assunto é posto em dia. Terapias, reformas e construção, histórias de outros amigos, livros e filmes, viagens passadas e futuras, casos de matar de rir. Desta vez, Baubo não esteve presente com suas safadezas. Mesmo assim todas riram pra valer  Cada uma delas curtiu a felicidade daquele momento como se outro não houvesse. Porque é isso que faz a vida valer a pena – viver cada momento como se fosse o único. Menos uma. A que estava o tempo todo querendo ir para o boteco. Ela ficou dividida. Mas, juntando as duas metades da divisão, ela também foi feliz. Antes da despedida, o marido da dona da casa bate as fotos: todas de lado, bem juntinhas. Até um próximo encontro.