(Re)invenção

- Que perdido que nada! A tarde de sábado havia sido bem fria e a meteorologia previa chuva para a noite. Num ímpeto anti-balada, arquitetei um plano pra lá de original (sim, estou sendo irônico): decidi tirar na Locadora um filminho-comédia-pra-não-pensar. E simplesmente relaxar bem deitado e aquecido frente à televisão.

Loquei “Recém-Chegada” e pensei: ”ah, um dia que eu me distraia e não exercite meu lado intelectual não vai fazer diferença”. O plano era dar risadas... e saiu ao contrário: não que eu tenha chorado. Mas quem diria que aquela comédia falsamente boboca iria me despertar uma reflexão? Claro que vou te contar; mas, fugindo à lógica da estrutura do texto, já te adianto a moral da história e a minha conclusão dos fatos. É a mesma da poetisa Cecília Meirelles em sua célebre frase: ”A vida só é possível reinventada”.

Lucy (Renée Zellweger) é uma bem sucedida executiva que vive repleta de glamour. Entretanto é transferida para a filial da empresa onde trabalha, que fica numa pequena cidade em Minnesota (interior EUA), onde a população é basicamente caipira e articulada com sotaque brejeiro. Lá, ela tenta superar as geladas recepções que recebe dos habitantes do local, os quais suspeitam que a tarefa de Lucy é fazer uma enorme lista de demissões.Se ela vivia no salto alto, encontrou a saia justa para completar o “figurino”.

A mudança na vida de Lucy já é clara logo ao chegar ao aeroporto da cidade: em Miami, ela estava sempre debaixo de um esplendoroso sol, e na nova cidade, a neve e o frio são de lascar. Após muitos acontecimentos, Lucy acaba “íntima” e amiga dos funcionários da fábrica, e sente-se impotente para dar a notícia que a filial encerrará as atividades. É aí que reside o ponto de virada. Lucy busca toda forma de criar uma nova realidade, de tal maneira que os empregados produzam um novo produto (ao invés das falidas barras de cereais), no intuito de mostrar que a produção nova pode ser sustentável, fazendo com que ninguém “fique na rua” e seu Diretor da matriz ainda obtenha lucro. Ela mergulha de cabeça numa idéia. A idéia de reinventar.

E se a vida imita a arte, constatamos uma realidade. Ou vais me dizer que nunca sofrestes contratempos e contradições que te levaram ao início de uma nova estrada, tendo que avançar, mas sem saber que rumo tomar? Direita ou esquerda? Cruz ou espada?! E tu lá, estacado, tens que decidir-te para onde ir. Quando a tua “fábrica” parece que vai encerrar as atividades, resta a alternativa de te reinventar para (sobre)viver. A nossa fábrica não pode “fechar as portas”, ou tu queres ouvir comentários a teu respeito mencionando a palavra “covarde”? Go on, go on (vá adiante, avance).

Percebi de nada valer chorar na estaca zero cheio de medalhas no peito.Que tal “fabricarmos” um novo produto? Em solo mais fértil, feito por mãos mais maduras? Os combates aparecem do nada fazendo sangue manchar tua branca camisa. Mais vale a busca por uma nova verdade e identidade, mesmo que por horas essa busca pareça vã. E aqui recordo-me das andanças eróticas de Henry Miller na trilogia “Sexus”, “Nexus”, “Plexus”. E não, uma nave espacial não aterrissará na tua sala te trazendo as boas notícias, ou um novo mapa onde está o continente branco porque o teu era negro.Nem muito menos contando onde o tesouro enterrado está.Verás muita fumaça no céu... No máximo, receberás conselho de alguém parado no estacionamento:

- Ei, não vai por aí!

-Por quê?

- Aí é sujeira, se fores, deixa tuas coisa aqui. Não é garantido que há saída por lá.

Se tudo não está mais dando certo, encares como uma nova oportunidade. Encares como um desafio pessoal. Te asseguro que uma hora, a vida, de tanto girar, colocará tudo no lugar. Óbvio que com a tua ajuda, engraçadinho! Não quero dizer para esquecer-te todas tuas experiências, mas será como arrumar uma mala: leves o que de essencial achares, sabes assim?!

Ao (re)inventar-se, gelaremos por inteiro. Choraremos como um nostálgico. Tremeremos como um iniciante. Observes as infância: é um estágio de evolução e comportamento, porém o indivíduo evolui de forma natural e com o livre arbítrio de inventar-se à medida que cresce. Os bebês tornam-se crianças, que tornam-se meninos, adolescentes, rapazes, homens. Serão diferentes e simultaneamente são os mesmos. Complicado... Projetaram suas rotas e ambições por um tempo; depois, pela ordem natural das coisas (e por uma ordem que também pode ser forjada), se inserem em outros contextos. Onde eles, no comando do “automóvel”, assumirão a direção. Tentarão...

O sexo também pode ser reinventado. Pode deixar de lado o posto de suporte e estrutura das relações conjugais para o universo da coleção de experiências. Onde teríamos aí um indivíduo pós-moderno que consistiria em nada mais do que um “provador de novas sensações”. Com inéditas pessoas.

Inúmeras vezes foi duro reinventar-me. Eu pensava: ”Ah, se somente eu pudesse encontrar O Criador” (e esclarecer umas dúvidas com ele). Para mim não foi bom “apanhar” calado. Tenho paciência mas não sangue de barata. Foi bom eu revidar. Foi bom me entusiasmar. Foi bom eu me reinventar. O resultado final foi de volume mais atraente, objetivo, profundo e sobretudo, alegre. Alegria que vem estampada em cada riso, em cada foto nova, e até na mais concentrada das minhas expressões. Como se eu estivesse “entertido” com um novo brinquedo.

Recordo-me quando eu disse para alguém próximo a mim: ”-Sabes, estou fascinado por uma coisa que descobri”. E tal pessoa me respondeu: ”-Ah, tá! Qual é a comprinha da vez?” Deixei quieto, não liguei. Numa manhã, minha mãe me pegou sorrindo, e eu disse: "-Ando maravilhado, extasiado por uma nova invenção... e ninguém sabe qual é. Ela disse: ”-Eu sei, é A Vida”. E balancei de leve a cabeça, como num “sim”.

Gabriel Colombo
Enviado por Gabriel Colombo em 13/10/2009
Código do texto: T1864420
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