Idiota
São dois volumes com um formato bem diferente. Pequenos, cabem em um bolso ou em uma bolsa. Levei-os em minha última viagem, mas poucas condições tive para ler. Mal começava antes de dormir e já as mãos relaxadas deixavam que escorregasse e no outro dia eu o achava no chão. Durante as viagens de ônibus então, eu nem tentava, apesar de estarem ali sempre ao alcance de minhas mãos. Preferia olhar a paisagem desconhecida, livro impossível de reler outra vez. Estou acabando aqui e mesmo assim, ando com tanto sono que a mesma coisa continua a acontecer.
O livro é A volta ao dia em 80 mundos. O autor, Julio Cortázar, argentino nascido em Bruxelas e que mais tarde se radicou em Paris, aonde veio a falecer. Seus escritos, em Espanhol, fizeram dele um dos mais importantes autores da literatura moderna. Estou chegando ao fim do primeiro tomo agora. Ontem, li Você tem que ser realmente idiota para e fiquei completamente assimilada. Nunca vi antes esta expressão assimilada ser utilizada desta forma, mas foi assim que me senti.  
No texto ele confessa que é um idiota. Que sabe disso faz muito tempo, mas que nunca tinha escrito sobre o assunto, que achava desagradável. Segui lendo para descobrir porque ele se sentia idiota e não só descobri porque ele se sentia assim, mas que eu também sou. Ser idiota em boa companhia não deixa de ser um alívio. Foi por isso que usei a palavra assimilada para explicar como eu me senti após ler o texto.  
De acordo com ele é muito solitário ser idiota principalmente se você vive cercado de pessoas inteligentes e de bom senso.
A idiotice de Cortázar se torna evidente quando ele sai para se divertir – ver uma peça teatral, um balé, mímicos, filmes e coisas semelhantes. É que ele se deslumbra e acha tudo uma maravilha. Aplaude até machucar as mãos, chora e ri e às vezes quase faz xixi molhando as calças. E quando ele vai comparar as suas impressões com a dos outros fica deveras decepcionado com as opiniões que ouve, sempre restritivas.  
O texto é muito interessante e eu fiquei até emocionada ao lê-lo. Aconselho a quem tiver a oportunidade que o leia, mas não precisa dar-me opinião a respeito. Eu já sei que sou idiota e não preciso mais comprovar isso para ninguém que vier para mim com restrições. Mas de qualquer forma eu não vou mais contar aqui sobre o texto: vou escrever minhas experiências como um ser completamente idiota. Dou como exemplo os filmes que assisto acompanhada: quando é comédia eu rio as bandeiras despregadas, seja lá o que isso for. Mas sempre tem alguém para dizer: não sei que graça você achou nisso. Sou capaz de rir até dos programas humorísticos de nossa televisão a tal ponto que já sugeriram que eu me oferecesse para ficar assistindo as gravações para estimular os artistas. E circo então? Quando ia, com a desculpa de levar as crianças, quem mais se divertia era eu. Mas que circo mambembe, diziam os espectadores. E eu murchava completamente quando ouvia essas manifestações sábias e sensatas. No meu caso o que aprendi foi disfarçar um pouco a minha idiotice. Quando digo para alguém que está junto a mim: Mas que voz maravilhosa!  Ouvindo como resposta – Mas tem que ser educada, concordo dizendo, acompanhada de um balançar de cabeça: É, tem sim. Ser idiota é muito perigoso, se nos pregam este rótulo ninguém vai querer nos acompanhar a lugar nenhum.