Viajando por aqui e ali (8)
 
 
No Almoço de domingo (4)
 
 
 
Domingo passado, depois de muito tempo, voltei a minha cozinha. Queria fazer um prato inspirado no que comi em um restaurante no Montmartre em nossa última noite na Europa. Por sorte encontrei uma receita que poderia ser a mesma. Digo poderia, porque não foi. Daria muito trabalho sair procurando os ingredientes tal como eram pedidos e então, eu fiz adaptando a minha realidade. Mas que ficou bom ficou.
 
 
Quando perguntei pelo nome do prato disseram: Boeuf Bourguignon. Mas o que eu fiz vai se chamar, mais prosaicamente de Músculo de domingo porque não é um prato para se fazer qualquer dia: dá sono.  Depois do almoço dormi o resto da tarde.
 
 
Para não dizerem que sou egoísta vou passar a minha receita: músculo traseiro de bovino cortado em pedaços grandes e temperado com sal, pimenta do reino e alho. Depois de bem refogadinho no óleo de canola colocar cenouras raspadas e cortadas em pedaços, cogumelos, e cebolas picadas e refogar mais um pouquinho. Quando a cebola estiver no ponto despejar uma garrafa de vinho tinto, uma colher de extrato de tomate e polvilhar farinha de trigo, para engrossar o molho. Como o que eu comi em Paris era vinho nacional, aqui também coloquei vinho nacional. Deixar cozinhando por um tempo e então colocar um litro de caldo de carne e é claro o meu caldo foi feito com tabletes e água fervendo. Bem, disseram que eu deveria deixar no fogo por duas horas, mas, quando a carne já estava à uma hora no fogo percebi que, do jeito que ia, o almoço seria de solado de sapato. Então coloquei na pressão por meia hora e o problema ficou resolvido. Ficar gostoso, ficou. Mas o Dudu garante que estava mais forte do que a que tínhamos comido. Culpa do vinho, certamente. Servi a carne acompanhada de arroz branco no azeite e uma batata especial que inventei. Essa sim fez um sucessão: Bacon em cubos fritos na manteiga, batatas em fatias grossas cozidas em água e sal, queijo catiara ralado e misturado ao creme de leite e levado ao fogo só para derreter o queijo. Tudo acompanhado do vinho francês que o Lucas trouxe.
 
 
Foi um almoço agradável onde pudemos contar para todos os comensais a nossa viagem que, segundo o Dudu, saindo de minha boca ia virar um samba de crioula doida. É que as coisas já começam a misturar em minha cabeça e eu estou embaralhando os lugares com os acontecimentos. Isso porque quando o Lucas me perguntou se eu havia atravessado o Arco do Triunfo eu disse que Não, mas que subira nele. É que eu estava pensando na Torre Eiffel.
 
 
Paris é uma festa, como já dizia Hemingway e ainda tenho muitas histórias para relembrar sobre os dias que lá passamos. Quando eu for escrever não sei o que vai sair, se a realidade ou a minha realidade. É que a memória sempre nos prega peças. Ainda agora, lendo Julio Cortazar em a Volta ao Dia em 80 Mundos ele comenta uma história que não é tão singular assim. Conta ele que indo viajar de Atenas para o Cabo Sunio ouviu de um amigo que fizera a mesma viagem, uma descrição do que iria acontecer. E que ao viajar percebeu que a realidade era outra. No entanto, até o dia em que escreveu a história, quando se lembrava da viagem só se lembrava da viagem do amigo, não da sua. Com isso o que quero dizer é que a realidade não existe. O que existe é a percepção que temos dela.
 
Lavras, 07 de outubro de 2009