Pregação
Coleccionar essas imagens de um saudoso passado com zelo extremoso de uma austera viúva prenha de dignidade não deixa de ser caricato. Por variadas razões, entre as quais a mais óbvia a de nunca teres sido casada com esse senhor. Para sermos sinceros e completamente honestos nem sequer estiveste noiva. Bem, não querendo ferir a tua frágil compostura, temos de admitir que nem o posto de namorada oficial chegaste a atingir... Eras a outra. Custa, pois custa. Mas tenta ao menos, agora, encarar os factos de frente. Com objectividade e sem contemplações. Impossível?
Aqui no canto superior direito tens uma pose tipo James Dean, rebelde sofredor sem freio. No extremo oposto tens uma a fazer lembrar um Nicolas Cage num estilo intelectual. E deste cruzamento tens o teu paradigma de beleza? Usa a cabeça, mulher. Usa os olhos bem abertos. Usa óculos, se preciso for! Estás a contemplar um homem. Que é, (foi), apenas, um homem. E se desejarmos mesmo ser rigorosos teremos de concordar que faltou um bocadinho assim para que tivesse sido sequer um homem. Um bocadinho assim para lá chegar.
Não se trata de falta de beleza. Nem sequer é condição necessária e essencial tanta beleza assim. Mas dignidade e carácter sim.
Não adianta desencantar a desculpa esfarrapada de que o chute que ele te deu foi tão precoce que não te deu tempo de testemunhar a sua grandeza de alma.
Não havia nada mais ali naquela aridez de espírito. Conheceste tudo o que havia para conhecer.
A culpa de tirares tanta satisfação dessas fotos no grande placar sobre o teu leito é do vazio do teu passado.
Por isso aceita este meu conselho e rasga o véu que te tapa o rosto. Retira a foto em pose de deus grego; a de fato e gravata à moda de moço de meteorologia; a de ténis de jogging e a de especialista de computador. Bota tudo no lixo. Aproveita a cortiça do quadro para a lareira da sala. Pinta de salmão o quarto. Foi uma overdose? Ah, já agora tira-me da parede que estou farto de ficar de pé.