Crônica da dúvida
Estava eu voltando para casa com minhas sandálias aladas quando um homem corpulento, de camisa florida aberta até o peito, me para abruptamente na rua, Eu só quero fazer uma pergunta, você está me ouvindo?, não aparentava grandes indícios de estar alterado por qualquer substância, Claro que estou, Onde é o lado de lá?, veio a pergunta. Eu, pensando estar tendo com um desses filósofos contemporâneos e malucos, respondi É o lado que ainda não fomos, ué, Não, não, você não está me entendendo. Droga, não era um filósofo contemporâneo lunático, Eu perguntei que lado é aquele de lá, disse, apontando a outra calçada, Porque eu estava lá e me disseram que o lado de lá é esse, mas o lado de lá agora é aquele... o que você acha?, O lado de lá é aquele mesmo, e apontei para o outro lado, Mas então eu tenho que ir pra lá de novo?, É, acho que sim, Mas e se eu perguntar pra alguém e me disserem que o lado de lá é aqui?, Talvez você tenha de correr o risco. Comecei a achar que ele estava zoando minha cara, ou talvez estivesse apenas bêbado; ele decidiu atravessar a rua para o outro lado. Preferível ele ficar de um lado para o outro do que eu ficar sendo feito de bobo: bebedeira passa, mas uma situação em que se é feito de bobo fica um bom tempo envergonhando o ego.