EU QUERIA DESPEDIR ASSIM MESMO
A noite não tinha sido nenhuma maravilha. De uma caminhada interrompida pela chuva acabei indo liberar espaço na estante trocando uns livros de lugar. È tão fantástico ter a noite de segunda livre que ainda não me acostumei a este prêmio. Depois fui para o computador e parecia nada querer dali, mas de qualquer forma, resolvi a vida de um prego enquanto passava a novela e modelos desfilavam. Gostei da mudança dos ares da outra novela para esta. Gosto das coisas mais reais e quanto mais ocidentais, melhor. Sempre penso que comparar meu país com o atraso de outros não melhora o meu em nada e também não melhoram os meus sonhos.
Sem saber de onde vinha uma certa melancolia pensei que deveria tomar um leite quente e deitar a cabeça na cama. Tomei o leite com um pouco de linhaça, já que é bom para a saúde. Fui ao banheiro e escovei bem direitinho todos os dentes. Verifiquei que estavam bem desligado os dois computadores e até tirei a tomada da televisão. Um princípio de um toque do telefone fixo depois de onze da noite. Talvez fosse engano. Ele tocou novamente e o atendi às pressas.
- Alô. – Oi. –quem é? – É o leãozinho. – Ainda não sei quem está falando.
- Sou eu leãozinho.
- Eu quem?! Boneca?! – sim!
-Tudo bem?! Sua voz está baixa!
- Tá... E aquela voz de chuva chorando bem fininha.
- Não está parecendo que está bem...
- É que eu estou ligando para me despedir.
- Despedir de quê? Ficou maluca?!
- Mas eu vou operar depois de amanhã, leãozinho.
- E para operar precisa despedir?!
- Não sei.
E lá na longa distância um choro querendo convidar o outro para chorar também.
- Você está com medo, boneca?!
- Acho que sim...
- Mas tudo vai correr bem. Você tem que operar mesmo?
- Tenho... mas eu quero me despedir de todas as minhas irmãs, primeiro.
- Você é a primeira que eu estou ligando.
- Mas não precisa despedir não, você ainda nem me mandou as fotos do Canadá, acha que pode ir morrendo assim...
- Eu não quero morrer não, leãozinho, eu quero viver mais de 100anos
- Então... nada de ficar com medo...nada de ficar espalhando choro por ai...
- Acho que é por que vocês estão longe... e não vou ver ninguém da família depois que acordar no hospital...
- É...deve ser isto...mas eu te amo e não vai acontecer nada com você.
- Eu também te amo e pode não acontecer nada...mas eu queria despedir assim mesmo...
Para descontrair falamos um pouquinho sobre tragédia dos outros...depois voltamos ao ponto de partida...ela sem segurar o choro.
Nos despedimos e não consegui dormi. Libertei o choro que escondi em sua longa distante frente e pensei no sonho que tinha tido com ela fazia mais de um mês. No sonho ela estava na linha dos mortos me pedindo ajuda e eu petrificada sequer conseguia mover em direção alguma. E minha vontade era de ligar de volta e pedir para ela não operar ou simplesmente, nunca morrer.