O desprezo com a casca

O desprezo com a casca

Final de tarde, sol morrendo, antes do último suspiro do dia, uma luz rubra abraça nosso Rio Parnaíba - O Velho Monge. Um rubor constante na face do céu em brasa: sinal de inconformismo com atitudes dos homens. Próximo ao rio, boteco lotado; freqüentadores alcunhados pela sociedade politicamente correta de porta-peidos. Mulheres fáceis, fartas de dores; corpos dopados no ópio da sobrevivência – Já não sentem dores, apenas importa o gozo momentâneo e a sobrevivência do dia seguinte.

- Mulher de hoje, meu amigo, é como banana: a gente come o miolo e joga a casca fora! - Palavreado arrastado, cópia proliferada pela mídia de cultura evasiva.

Ouço a frase enquanto inalo ar inebriado com odor humano; homens comuns exalando miséria. Sinto mágoa das diferenças humanas e meu olhar embriagado busca cúmplice na minha revolta alcoolizada; igual a muitos que, depois de ferrados os córneos, degeneram-se nos guetos de prostituição. Longe dali, os ditos de bem, alheios às angústias dos guetos, congratulam-se em ambientes ares-refrigerados da hipocrisia social dos Shoppings Centers. No meu canto, absorvo a Filosofia Popular: análise da vida unilateral querendo aprovação de todos.

"Votem em mim; prometo reformar a praça das putas, a rua dos prostíbulos..." – Imagine, leitor, a próxima campanha com essa frase de efeito. Mas quem é o louco que deseja ser tachado de “Candidato dos Puteiros”!?

Retorno à banana; revejo cascas deslizando mãos entre pernas: louras oxigenadas, morenas desbotadas, mescladas... Adornos promíscuos aos conquistadores de corpo. Meu pensamento foge do recinto, viajo entre mulheres da história, relembro cantos que abrandam almas, recito baixinho versos de Agustina Bessa-Luís, mulher Além-Mar: “...Paraísos proibidos, / Contentamentos injustos, / Feliz adversidade, / Amores são passos perdidos...”

A noite chega dispensando a “casca” do dia; vou-me entre dores. Deixo, na nesga de desejos sutis, a minha revolta - contraída na filosofia etílica! Sento-me no banco da praça das putas: relembro fragmentos de vidas indispensáveis, revejo amores passados... A mulher amada, centro de atenções. O enigmático canto da sedução de os últimos cavaleiros armados com rosas; O momento sublime da conquista por um sonho futuro. À minha frente, a visão do casal de estudantes em frenesi começa a deturpar meus pensamentos. Pernas frontais, entrelaçadas, mãos sôfregas, rebolados disfarçados... O momento agoniado da tara juvenil que não tarda a ir.

Gozo rápido; já foi! Agora, somente o instante do depois: ela, cuidando da compostura; ele, já longe, embaralhado na braguilha ainda aberta.

- Espere moça, você está esquecendo a...a...

Situação estranha, deixando-me sem jeito; lembrei-me da frase do bêbado e tasquei o eufemismo momentâneo:

- ...você esqueceu a “casca”!

Um corte seco no meu ar de boas maneiras:

- Te manca, coroa...

Tudo bem, ela já estava mesmo só o miolo, e eu queria apenas mostrar sua calcinha jogada sob o banco da praça. Segui relembrando antiga canção:

“Esses moços pobres moços

Ah! Se soubessem o que eu sei

Não amavam...

Não passavam aquilo que eu já passei...”

Kal Angelus
Enviado por Kal Angelus em 25/06/2006
Reeditado em 22/08/2011
Código do texto: T182057