Falhar Português

Quando penso num falhanço tipicamente português lembro-me dos dois amigos, Carlos da Maia e João da Ega, personagens do romance de Eça de Queiroz.
No final do séc XIX, em Lisboa, estes jovens sonhavam em construir um válido projecto de vida. Ega anunciava constantemente a publicação de um livro que seria sucesso garantido enquanto que Carlos preparava um consultório médico de luxo e até um laboratório de investigação científica. Com o passar do tempo, dos banquetes sumptuosos e das aventuras amorosas o trabalho foi sendo esquecido e relegado para um tempo indefinido.
No final do livro Ega exclama ao reencontrar-se com o amigo: “Falhámos a vida, menino!”
Naquela época falhar a vida era privilégio da alta burguesia pois o resto das gentes estava demasiado ocupado em sobreviver. Era um tempo de extremos. Quem tinha tudo nada fazia e quem não tinha nada sobrava-lhe o trabalho em demasia.
Portugal é agora um país diferente. Mas olhando bem e vendo com atenção não conseguimos resistir à tentação de encontrar as semelhanças com o país de Eça. Continuamos afastados dos países europeus.
Há quem diga que Portugal morreu. Morreu a ideia de um país com gente feliz. Os números, a internet de banda larga, o betão prosperaram e a cultura, a educação, a saúde, a protecção das pessoas definharam. O interior do país está desertificado e as populações que resistem ficaram entregues a si próprias. Sem direito a maternidades, parindo nas contra-curvas dos montes que as ambulâncias percorrem até às capitais.
A ameaça de bancarrota discutida nos Maias parece irmã gémea da que se proclama hoje.
E nós? Agora que se democratizou o sonho com que sonhamos? Ter carros e casas? Viajar? Possuir coisas? Não consegui-lo plenamente é falhar? E consegui-lo, não deixa também um estranho amargo de boca?
Agora que todos podemos sonhar sabemos fazê-lo ou desperdiçamos os dias entretidos com coisas vãs como Carlos da Maia e João da Ega?
Estará Portugal condenado a falhar?


AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 16/09/2009
Reeditado em 16/09/2009
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