Vida Feroz
Cheguei à conclusão de que não perco nada se não vejo televisão.
Ligo no noticiário - talvez o que há de pior da televisão - enquanto espero o PC entrar. O monitor é compatível com as duas funções: TV e PC. Enquanto faço um alongamento, escuto que um menino de oito anos, já órfão de mãe - a sua ligação maior com a terra -, tem o pai assassinado durante uma tentativa de assalto. O garoto presenciou tudo porque a ação ocorrera dentro da tapeçaria do pai enquanto ele ouvia música dentro da carro. Ao ver o ladrão apontando a arma para o pai, o menino correu e implorou ao assaltante que não o matasse. O pai colocou-se na frente do menino para protegê-lo e foi alvejado.
O enterro foi realizado no sábado (12/09) enquanto comemorava o meu aniversário com uns poucos amigos em Maricá. Essa notícia, como muitas outras do tipo, de que nem ficamos sabendo, escuto hoje, segunda-feira, enquanto faço o alongamento. O repórter ainda faz um comentário, no mínimo inócuo ou, talvez, pérfido. Diz que, segundo as autoridades policiais, esse é mais um caso a ser incluído nos altos índices de criminalidade com que convivemos. Como se não fosse obrigação dos serviços de segurança pública das cidades a tentativa de reduzi-los.
Logo em seguida, o repórter chama atenção para uma rodovia em que "morre uma pessoa por semana". Devido às péssimas condições de tráfego da estrada: buracos, má sinalização, erros no traçado, etc. Parecendo sugerir que isso não aconteceria se a estrada fosse privatizada. Então, percebo que, através dessa sutil propaganda, devemos nos preparar para trafergarmos por mais um rodovia pedagiada. Mais um motivo para o enriquecimento de um privilegiado grupo de pessoas, porque os valores dos pedágios são sempre muito mais altos do que deveriam ser ou do que requer a manutenção de uma rodovia.
Como deverá estar sendo a segunda-feira desse menino que, órfão de mãe, perde agora o pai, já tendo perdido os tios ou primos, há pouco tempo num incêncio ou coisa parecida (essa parte do noticiário confesso que nem quis ouvir)? Desligo rapidamente a TV (o PC já deve ter entrado) ao perceber, no caso da manutenção da estrada, a propaganda da emissora - os órgãos de comunicação sempre a serviço dos interesses do governo (municipal, estadual ou federal) ou de grupos a ele associados e por ele beneficiados. Aliás, tal como aquele menino, embora o seu sofrimento seja indescritivelmente maior, sinto que somos também órfãos de pai, mãe, primos, tias, etc., quando se trata da questão que se refere ao que os governantes teriam a obrigação de fazer pelos seus governados e não fazem.
Rio, 14/09/2009