Eu matei Carlos Drummond de Andrade
 
Talvez você já tenha lido crônicas com um título semelhante.Mas, acredite, eu matei Carlos Drummond de Andrade.
 
Na escola municipal, um dos meus lugares preferidos era a biblioteca.Foi lá que eu assisti a muitos clássicos infantis, como “O Patinho Feio”, de Hans Christian Andersen, Chapeuzinho Vermelho, lindamente projetados nas paredes, em singelos slides.
 
Foi nesse mesmo espaço que, ainda muito criança, tive o privilégio de conhecer, pessoalmente, autores como Pedro Bandeira, Ruth Rocha, Marcos Rey, que concediam à meninada entrevistas inesquecíveis: “Como e quando você começou a sua carreira?”, era a pergunta básica que algum aluno fazia ao célebre entrevistado.
 
Às segundas-feiras, a professora Cíntia levava-nos à “Sala de Leitura”.Nessa ocasião, podíamos retirar um livro para apreciá-lo em casa.Dentre as opções da biblioteca, fiquei, em 17/08/1987, entre dois títulos: o primeiro era um livro de poemas da Cecília Meireles; o último, um romance de Carlos Drummond de Andrade.
 
Saí da escola às cinco da tarde.Horas depois, em casa, comecei a ler o romance e a admirar as belas ilustrações de Ziraldo.
 
Quando passava pela sala rumo à cozinha, escutei o nome "Carlos Drummond de Andrade" no Jornal Nacional.Pensei: “Puxa, que coincidência! Falam do autor do livro que eu peguei hoje!”.Segundos depois, eu compreendi que o escritor havia falecido.Fiquei arrasada!
 
Uma vez, peguei um livro que falava sobre uma família que estava encantada com o bebezinho que havia chegado em casa e dias depois, minha irmã voltou para a casa dela com o meu sobrinho recém nascido nos braços.
 
Atribuí a morte do poeta a mim.Era a segunda coincidência com livros.Não consegui ler mais a narrativa, tomada pela culpa.Se eu tivesse pegado o livro da Cecília, teria evitado a tragédia, meu raciocínio aos nove anos de idade.Devolvi-o à biblioteca sem saber o que havia acontecido com os personagens centrais, Pul e Osborne.
 
Há cada duas semanas, eu vou à Biblioteca Municipal da minha região.Levo minha filha de dois anos e fico no espaço infantil lendo para ela historietas que a fazem rir.Eu rio também.
 
Sábado passado, (12/09/09), voltei para a casa, vinte e três anos depois, com o mesmo livro de Drummond, “História de Dois Amores”, para finalmente terminar a leitura interrompida pela culpa.
 
E terminei.É uma história belíssima, para ler com nove ou noventa anos de idade.Vale a pena!
 
Hoje compreendo que eu jamais poderia ter matado Drummond: o poeta não morre!Quem fala de amor com tanta propriedade como o mineiro em questão, fica eternizado para sempre!

Barão Vermelho tem razão:O poeta está vivo/Com seus moinhos de vento/A impulsionar/A grande roda da história...”.
 


(Maria  Shu – 13 de setembro de 2009)
 

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“História de dois amores”(1985)

Sinopse: narrativa sobre os amores de dois elefantes e a nobre descoberta do amor por um casal de pulgas.



 
 
Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 13/09/2009
Reeditado em 17/08/2017
Código do texto: T1808832
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